Por que máquinas não criam valor?

Publicado originalmente na revista Cosmonaut. Tradução de Gabriel Carvalho.

Ian Wright defende a teoria do mais-valor de Marx e sua afirmação de que o trabalho humano é a causa última do lucro econômico.

Cena de Robocop (2014)

No mundo às avessas da ideologia capitalista, certas verdades devem ser ignoradas ou reprimidas, pois reconhecê-las enfraqueceria o domínio do capital. Uma dessas verdades é a de que o trabalho humano, e apenas ele, é a causa última do lucro econômico. Isso é um anátema para aqueles que meramente possuem ativos, mas que reivindicam os produtos do trabalho. Então, essa verdade deve ser negada. A teoria do mais-valor de Marx explica como o trabalho é a causa última do lucro. E, portanto, a teoria de Marx é ignorada, reprimida, negada. Nesse artigo, consideraremos uma objeção popular à teoria do mais-valor de Marx, a saber, a de que o lucro é sempre uma conquista conjunta de fatores de produção humanos e não-humanos, tais como as máquinas. De acordo com essa objeção, o trabalho humano não é a única causa do lucro, portanto, a teoria de Marx estaria errada.

A teoria econômica ortodoxa analisa estados de equilíbrio onde todos os fatores de produção parecem contribuir para aumentos marginais na produção: acrescente um pouco mais de capital, obtenha um pouco mais de produto. Essa teoria é dominante, precisamente porque parece justificar as reivindicações de propriedade dos donos das empresas dos frutos do trabalho alheio, mesmo quando eles não contribuem, nem com trabalho, nem com capital-dinheiro. Aquele 1% de proprietários ausentes enormemente ricos, que colhem grandes dividendos das suas carteiras de ações enquanto dormem, sabiamente alocam uma fração de sua riqueza na promoção de tais teorias.

A ideologia capitalista é poderosa e pervasiva e, portanto, também afeta críticos de esquerda do capitalismo. Alguns sustentam que a teoria do mais-valor de Marx é uma pitoresca ressaca vitoriana, que talvez tivesse validade num tempo em que as máquinas eram meras engenhocas mecânicas idiotas. Mas, hoje, com os avanços na inteligência artificial, as máquinas são inteligentes e começam a rivalizar com as nossas capacidades. Assim, a teoria do mais-valor de Marx, com seu foco na singularidade do trabalho humano, deveria ser rejeitada. Como veremos, essa negação das potências causais únicas dos seres humanos e a elevação da máquina, não é apenas incorreta e uma completa inversão da realidade social. Ela serve diretamente às reivindicações do capital, e, portanto, é inerentemente reacionária.

Humanos vs. máquinas

De acordo com Marx, o trabalho cria valor, e nada além do trabalho. No Volume 1 de O Capital, ele escreve: “[o] trabalho […] [é] o elemento geral criador de valor – elemento que o distingue das demais mercadorias”. O trabalho humano é fator especial e único de produção que cria valor econômico. Mesmo assim, Marx reconhece que máquinas podem agir autonomamente, quase que com uma vontade própria, e realiza as mesmas tarefas que nós. No “Fragmento sobre as Máquinas”, Marx escreve: “a própria máquina, que para o trabalhador possui destreza e força, é o virtuose que possui sua própria alma nas leis mecânicas que nela atuam”.

A maioria das máquinas são coisas sem vida, idiotas. Uma caneta que você tem na mão é um tipo de máquina. É um sistema com a potência causal de transmitir tinta armazenada num fluxo constante até a sua ponta. E, obviamente, suas potências causais são enormemente limitadas em comparação com o que os humanos são capazes de fazer. Mas algumas máquinas são mecanicamente potentes: por exemplo, escavadeiras que movem toneladas de terra com muito mais rapidez que qualquer grupo de humanos. E algumas máquinas são cognitivamente poderosas, como supercomputadores que predizem o clima, ou redes neurais que podem traduzir linguagens. Nossas máquinas tem se tornado cada vez mais sofisticadas, replicando e excedendo nossas potências físicas e mentais em alguns campos. Nesse artigo, utilizarei o termo “máquina” de forma ampla, para abarcar qualquer sistema não-humano que realiza trabalho num senso estritamente termodinâmico.

Os seres humanos não produzem as coisas sozinhos. Nós trabalhamos com máquinas artificiais e máquinas naturalmente evoluídas, tais como animais e plantas. Todos esses sistemas fornecem trabalho, que é um tipo de mão de obra, para a produção. O cavalo que puxa a carroça trabalha tanto quanto o trabalhador que a põe a carga. Por esses fatos óbvios, uma objeção popular e muito difundida à teoria do mais-valor de Marx é a de que o trabalho humano não é especial e, portanto, não pode ser o único fator da produção que cria lucro.

Comecemos pela defesa dos humanos, revisitando brevemente o conteúdo preciso da teoria do mais-valor de Marx.

A teoria do mais-valor de Marx

A teoria do mais-valor de Marx explica como o capitalismo produz mais do que é necessário para sustentar a população, dedicando tempo de trabalho excedente para a produção de bens e serviços para uma classe exploradora, e também novos meios de produção, tais como maquinário, que incrementa a produtividade do trabalho, levando ao crescimento econômico, numa espiral infinita de acumulação de capital. Marx não se ocupava em explicar o lucro a partir da arbitragem do mercado, onde um vendedor nota uma oportunidade de comprar barato e vender caro. Essa é uma transferência de soma-zero. O que alguém ganha, outro perde. Comprar barato e vender caro não é como as economias crescem e desenvolvem suas forças produtivas. Pelo contrário, Marx quer entender a ligação entre mudanças estruturais nas condições de produção, especificamente quanto tempo de trabalho é necessário para produzir mercadorias, e as mudanças nos lucros monetários.  Marx, ao apresentar o essencial dessa teoria, pressupõe que as empresas usam as mesmas técnicas de produção, que não existem monopólios, que oferta e demanda estão em equilíbrio, assim, os lucros não são obtidos por escassez temporária, etc.

A transferência de capital constante

Considere um processo de produção qualquer, que tem alguns insumos, que precisam ser comprados no mercado, e que tem alguns produtos, que são vendidos no mercado. Os trabalhadores, durante o dia de trabalho, transformam matérias-primas em um novo produto, auxiliados por ferramentas e maquinário. Marx usa o termo capital constante para se referir coletivamente a esses insumos. Cada mercadoria tem um preço no valor de mercado e um valor-trabalho, que é a quantidade de trabalho direto e indireto necessários à sua produção. Em geral, preços não se igualam aos valores-trabalho. Mas, para abstrair as discrepâncias entre preço e valor, Marx, no Volume 1, presume que eles são proporcionais.

Primeiro, Marx afirma que os trabalhadores, durante o processo de trabalho, transferem o valor do capital constante para o valor do produto. Vamos concretizar isso. Imagine que você é um chef de um restaurante, picando e fritando vegetais. O custo da compra dos vegetais reaparece como parte do custo do alimento preparado no prato. O seu trabalho de cozinheiro transfere esse valor para o produto. Outra forma de pensar isso, seria simplesmente observar que o trabalho gerador de lucro deve sempre produzir um produto com um preço de venda que excede o custo de todas as matérias-primas utilizadas em sua produção.

Parte do capital constante não é totalmente esgotado nesse processo. Cada vez que um trabalhador usa uma máquina, ela se deteriora um pouquinho. Máquinas, diferente das matérias-primas, não são inteiramente consumidas, elas persistem. Por exemplo, o forno no restaurante aquece várias refeições antes de quebrar e precisar ser consertado. Os trabalhadores, portanto, também transferem o valor do maquinário consertado – tais como fornos, geladeiras, micro-ondas, etc. – aos poucos, através de vários produtos, conforme o maquinário se deprecia através do seu uso.

Uma outra forma de pensar isso é simplesmente observar que o trabalho gerador de lucro deve também produzir um produto com um preço de venda que cubra o custo de operar, manter e substituir qualquer maquinário. O valor do capital constante reaparece no produto. Até aí, ao longo do dia de trabalho, o valor dos insumos é conservado no processo de produção. Eles reaparecem no produto.

A transferência de capital variável

Marx usa o termo capital variável para denotar a força de trabalho empregada num processo de produção. No nosso exemplo do restaurante, o capital variável é o chef, são os cozinheiros, garçons, etc. O valor da força de trabalho é o valor do salário real, que é o tempo de trabalho direto e indireto necessário à produção de bens e serviços consumidos pelos trabalhadores. Assim, os trabalhadores, durante o dia de trabalho, também transferem o valor do salário real para o produto. Portanto, tanto os custos humanos, quanto os não-humanos de produção são conservados e reaparecem no produto.

Agora, indo um pouco mais longe que o restaurante, imagine que isso acontece em cada setor da economia. O capital constante total é consumido e substituído. O salário real total é consumido e substituído. As empresas vendem seus produtos no mercado e compre seus custos com os insumos. Os trabalhadores, então, são pagos salários suficientes para adquirir seu salário real. Nessa situação, não há lucro, nem crescimento. A economia apenas se reproduz ao longo do tempo numa mesma escala de produção.

Mas isso não acontece. Há lucro e há crescimento. Então, de onde vem o lucro?

Mais-valor

Chegamos à afirmação crucial de Marx: o trabalho humano é especial porque é o único fator de produção que acrescenta mais valor além do seu próprio custo. Os trabalhadores “criam valor” ao trabalhar mais do que é necessário para repor seu salário real. Em outras palavras, para o lucro ser possível, o valor do produto deve ser maior do que o valor do insumo. A esse valor excedente, Marx chama de mais-valor.

Como consequência, o dia de trabalho total da sociedade tem uma parte necessária, que reproduz o valor do capital por ações e o salário real, mas também uma parte excedente, acima do que é necessário, que produz bens e serviços adicionais. Esses bens e serviços adicionais são adquiridos com receita de lucro, e tomam a forma de bens de luxo para capitalista e novo capital por ações para crescer a economia.

Então, como o trabalho humano produz novo valor excedente? Basicamente, de duas formas fundamentais.

A produção do mais-valor absoluto

A primeira forma, Marx chama de produção de mais-valor absoluto.

Os capitalistas podem aumentar seus lucros fazendo os trabalhadores trabalharem por mais tempo, ou trabalharem mais intensamente. Isso extrai mais trabalho deles, portanto, gera uma maior produção. Assim, os trabalhadores acrescentam ainda mais valor na economia, acima do que recebem na forma de salário real. Jornadas de trabalho mais longas aumentam diretamente a duração do dia de trabalho. Trabalhar mais intensamente faz cada hora do dia de trabalho contar mais. De ambas as formas, mais valor excedente é produzido.

Por exemplo, um restaurante movimentado pode produzir mais refeições por hora ao demandar que o chef e os cozinheiros trabalhem mais. Seus salários serão os mesmos, mas estarão produzindo mais refeições. E isso significa mais lucro para os proprietários. Mas um dia não passa de 24 horas. E os trabalhadores atingem seus limites naturais. O segundo método de criar novo valor é a produção de mais-valor relativo, e esse é um processo bastante diferente.

A produção de mais-valor relativo

Os trabalhadores produzem mais-valor relativo quando desenvolvem novas técnicas de produção que reduzem o valor do salário real. Em outras palavras, a produtividade do trabalho, em setores que produzem o salário real, aumenta. Quando isso acontece, menos tempo social é necessário para produzir os bens e serviços que os trabalhadores consomem. Nesse cenário, os trabalhadores trabalham a mesma quantidade de horas, com a mesma intensidade. Só que o valor do salário real agora é mais baixo. Isso tem o efeito de reduzir os custos com os insumos para os capitalistas, pois o valor da força de trabalho decresce.

Por exemplo, o chef no restaurante precisa comer, se vestir, viver numa casa bem climatizada com água potável, ter acesso à internet, poder sair nos dias de folga, etc. O salário do chef paga esse conjunto de bens e serviços. Mas, se outros trabalhadores descobrem métodos novos e mais eficientes de produzir comida, roupa, climatização, ou eles desenvolvem novas tecnologias comunicativas que usam menos energia, ou criam novos programas que podem distribuir filmes na internet, reduzindo custos de embalagem e transporte, etc., então a quantidade de trabalho socialmente necessário para suprir o salário real do chef é reduzido. A inovação técnica poupa trabalho.

Isso significa que, se o chef fornece a mesma quantidade de horas de trabalho, mas retira, na forma de bens de consumo, menos horas por causa das inovações técnicas, então, o chef fornece, em geral, mais tempo de trabalho excedente, produzindo mais valor excedente e, portanto, mais lucro para os capitalistas. A mudança técnica que poupa trabalho pode ter diversas formas, não apenas a produção de novos tipos de máquinas. Técnicas mais eficientes podem ser obtidas de melhores métodos de organização, cooperação em maiores escalas, ou uma divisão do trabalho mais especializada. Em cada caso, o resultado é o mesmo, que é um aumento na produtividade do trabalho.

Os humanos trabalham mais e com mais inteligência

Em resumo, há dois principais métodos através dos quais o trabalho humano e apenas ele, cria lucro: primeiro, trabalhando por mais tempo ou com mais intensidade; segundo, desenvolvendo inovações técnicas que reduzem o valor da força de trabalho. Então, os trabalhadores, em comparação com todos os outros fatores de produção, tais como as máquinas, podem trabalhar mais (e, portanto, produzir mais-valor absoluto) ou podem trabalhar com mais inteligência (e, portanto, produzir mais-valor relativo).

Eis o porquê de Marx dividir o capital em suas partes constante e variável. Ele quer delimitar um contraste entre as potências causais dos fatores humanos e não-humanos do processo de produção. O capital constante é um componente passivo. Seu valor é apenas transferido para o produto. Mas o capital variável é o componente subjetivo e ativo e o valor que ele incrementa não é fixo, não é conservado, mas pode se alterar.

Essa, em suma, é a teoria de Marx sobre a origem do mais-valor no trabalho humano. A causa do lucro, de acordo com Marx, é o trabalho humano, porque o humano, e apenas ele, pode trabalhar mais e com mais inteligência.

A identidade do trabalho humano e da máquina

Voltemo-nos agora a uma objeção à teoria do mais-valor de Marx. A objeção, em última instância, redunda em apontar uma identidade entre o trabalho humano e não-humano. Quando nós produzimos as coisas, sempre precisamos do auxílio de outras coisas. Precisamos de matérias-primas, de um local para trabalhar, de máquinas, etc. No sentido estritamente termodinâmico, não fazemos todo o trabalho. Por exemplo, as máquinas claramente trabalham, movidas por motores a diesel ou eletricidade, ou alguma outra fonte de energia. Em algumas indústrias, especialmente de países mais pobres, animais puxam carroças, fornecendo força motriz. Então, eles também trabalham. E, embora nós lancemos as sementes, aremos o solo e reguemos as plantas, são as capacidades naturais da planta, sua habilidade de converter matéria em novas formas ao colher energia da luz solar, que, também – no sentido estritamente termodinâmico – fornecem um tipo de trabalho.

Então, qualquer produto econômico é causado conjuntamente pelo trabalho humano combinado com o trabalho não-humano. Nós sempre misturamos nosso trabalho com outros fatores de produção, tais como a terra e o capital. A produção não é apenas um processo de trabalho, mas também um processo natural e um processo maquinal. O fato de que nós podemos automatizar certos tipos de trabalho humano na forma de máquinas, inclusive máquinas virtuais mais recentes na forma de softwares de computador, indica diretamente que os trabalhos humano e da máquina são, num sentido importante, idênticos.

Materialismo

Tipos de trabalho que pensamos estar além do alcance da mecanização, hoje, já foram mecanizados. E não há razão para pensar que há um limite tecnológico para esse processo. Materialistas deveriam aceitar a proposição de que todo trabalho humano poderia, em princípio, ser mecanizado. Isso porque o materialismo não é a ideia de que tudo é redutível, em última instância, a um bate-bate de átomos se chocando como bolas de bilhar. O materialismo, ao menos no contexto da história do marxismo, é a hipótese organizadora de que tudo é, em última instância, a emanação legal de uma única substância que, em princípio, é inteligível às nossas mentes, precisamente porque nossas mentes são também uma emanação dessa mesma substância.

Então, materialistas não acreditam que as potências causais do trabalho humano são exceções milagrosas das leis do mundo material. Em princípio, podemos fazer uma engenharia reversa de nossas próprias capacidades, mesmo que isso leve milhares de anos de esforço e engenhosidade. E, de uma certa maneira, já temos evidência empírica de que as potências causais dos humanos podem ser projetadas para existir. Pois os humanos são máquinas, só que máquinas criadas pela evolução, feitas de pele, ossos e neurônios. Se nossas potências causais parecem especiais, é porque somos os únicos mecanismos que sabemos, até agora, que as possuem. Nossa excepcionalidade é simplesmente um acidente do nosso ponto na história.

Nós estamos aprendendo como replicar mais e mais de nossas capacidades. E essa trajetória tecnológica traz um problema para a afirmação de Marx de que o trabalho humano é especial. Para ilustrar isso, consideremos um experimento mental, uma espécie de teste de Turing da teoria de Marx.

O teste de Turing

O matemático e pioneiro cientista da computação, Alan Turing, elaborou um teste para determinar se uma máquina é inteligente. Ele quis evitar objeções à ideia de que máquinas podem pensar, baseado na crença religiosa na existência de uma alma inefável, ou a afirmação inverificável que apenas humanos tem consciência de primeira-pessoa.

Alan Turing (foto em preto e branco, colorizada por uma rede neural profunda)

Turing compreendia que, de uma perspectiva objetiva, o pensamento inteligente se manifesta, em última instância, como comportamento público num contexto social. Então, Turing propôs ocultar a máquina por trás de uma tela e permitir ao público interagir com ela, enviando e recebendo respostas escritas. Se o público não pudesse distinguir se estavam interagindo com um ser humano ou uma máquina, então, aquela inteligência artificial passou no teste e deveria, por qualquer critério objetivo, ser considerada realmente inteligente.

Podemos adaptar o teste de Turing e aplicá-lo à teoria de Marx do mais-valor.

Um teste de Turing para a teoria do mais-valor de Marx

Consideremos um tipo particular de trabalho. Pode ser qualquer um, mas imaginemos um motorista de táxi.

Esse motorista trabalha pra uma grande empresa. A empresa não é uma cooperativa de trabalhadores, logo, o taxista não recebe o valor total do seu produto. Eles geram lucro para os proprietários da empresa, como a Uber ou a Lyft. Imagine que ponhamos o taxista numa caixa, de forma que eles ficam escondidos. Os clientes ainda poderiam conversar com o motorista, dizerem pra onde querem ir e pagar com cartão. Então, tudo corre normalmente, exceto pelo motorista oculto. Agora, imaginem que substituamos o taxista, na caixa, por um robô. Uma máquina que faz tudo que um taxista faria: receber instruções, recolher pagamentos e dirigir. Digamos que a produção e manutenção dos taxistas robôs custam o mesmo que os salários dos taxistas humanos.

Cena do filme O Vingador do Futuro (1990)

Há não muito tempo atrás, a ideia da automação da condução de táxis era apenas ficção científica. Mas, tanto a Uber quanto a Lyft estão tentando, hoje, automatizá-la. Elas sabem que seria mais lucrativo substituir o trabalho humano por algo mais eficiente e que não oferece o risco de se sindicalizar. Então, essas empresas já buscam maneiras de produzir mais-valor relativo.

Máquinas empregadas na produção, tipicamente exercem suas tarefas melhor que humanos. Então, é de se esperar que taxistas robôs dirigiram com mais segurança, achariam rotas melhores, dirigiriam de forma otimizada para gastar menos combustível. Mas, digamos que os insumos e produtos desse robô sejam idênticos. O que um taxista humano fazia, a máquina hoje faz, da mesma maneira. Os clientes não veem a diferença. Antes, havia um robô que funcionava como um taxista. Depois, há um robô que funciona como um taxista. A máquina passa no teste de Turing para ser um taxista. Então, sob as condições de nosso experimento mental, se trocássemos taxistas humanos por taxistas robôs, hoje, de uma só vez, então, os lucros da Uber ou Lyft seriam os mesmos. Nada mudaria.

Consequentemente, o trabalho do taxista robô transfere o valor dos insumos – o custo do combustível, os custos de manutenção do carro, etc. – para o seu produto. Essa máquina transfere valor. E, já que os lucros são os mesmos, então, essa máquina parece incrementar mais valor do que consome na forma de eletricidade, reposição de peças e custos de manutenção. Então, aqui temos trabalho mecânico, não humano, produtor de um excedente de valor, ou lucro. A única condição que mudou, nesse antes-e-depois, é que o trabalho do motorista de táxi, antes realizado por algo chamado de humano, é depois exercido por algo chamado de máquina.

Esse experimento mental parece demonstrar muito claramente que o trabalho humano não pode ser especial. Qualquer forma de força de trabalho – seja humana, natural ou artificial – fornece trabalho e pode, portanto, nas circunstâncias certas, produzir lucro. Parece que temos um argumento demolidor contra a teoria da origem do lucro de Marx.

Não-respostas ao teste de Turing

Muitas pessoas, quando conhecem a teoria de Marx sobre o mais-valor, rapidamente trazem a objeção de que o trabalho da máquina não é diferente do trabalho humano. Assim, esse tipo de argumento é geralmente apresentado, ainda não explicitamente nos termos do teste de Turing. Os marxistas, então, ao longo dos anos, têm respondido a esse argumento. Mas as respostas típicas são, de forma relevante, radicalmente inadequadas. Vamos considerar algumas delas.

Relações sociais

Uma resposta marxista muito popular é reiterar que o valor econômico é uma relação social entre as pessoas. A substância do valor, a que magnitudes monetárias, tais como o lucro, realmente se referem ou representam, é o tempo de trabalho humano abstrato. O lucro, como Marx nos diz, é fundamentalmente valor excedente, e valor excedente, por definição, é a diferença entre o tempo de trabalho que os trabalhadores fornecem à produção, e o tempo de trabalho que consomem na forma do salário real. Portanto, devemos rejeitar esse experimento mental, pois ele parte de uma incompreensão da questão.

No entanto, o problema com essa resposta é que ela meramente reitera a teoria do mais-valor de Marx. E, nesse sentido, é uma resposta dogmático pois não se envolve com o experimento mental. Se a substância do lucro é o tempo de trabalho humano e se a causa do lucro é apenas o trabalho humano, é precisamente o que se questiona nesse experimento mental.

Além disso, críticos da teoria de Marx têm, corretamente, apontado que a estrutura de custo objetiva de uma economia pode ser medida de diversas formas, não apenas pelo tempo de trabalho. Podemos igualmente falar do valor excedente do petróleo, do milho, da energia. De fato, qualquer mercadoria que seja um insumo básico. A resposta dogmática deixa um flanco aberto para a crítica porque reduz a teoria de Marx a um mero método de contagem, onde escolhemos, subjetivamente, o tempo de trabalho como nossa medida preferencial do custo objetivo.

Mas essa não é a teoria de Marx. O que Marx busca mostrar é que é o trabalho humano que – objetivamente – cria valor excedente no processo de produção, independentemente de nossas escolhas subjetivas. Assim, não basta simplesmente repetir que o valor é uma relação social entre as pessoas. É claro que é. Sem a indústria e comércio humanos, nem sequer existiriam os fenômenos econômicos sobre os quais nos debruçamos. Mas disso não decorre que a origem do lucro é apenas o trabalho humano.

A necessidade de alocar trabalho humano

Outra resposta, inspirada numa poderosa passagem de Marx escrita por ele numa carta ao seu amigo Ludwig Kugelmann, é apontar que qualquer sociedade, para poder se reproduzir, deve alocar o tempo de trabalho total para diferentes fins. Ela precisa de uma forma de designar humanos para diferentes partes da divisão do trabalho para que as coisas certas sejam produzidas nas quantidades certas. E, no capitalismo, isso acontece predominantemente através dos mercados e do dinheiro. Assim, magnitudes monetárias, tais como o lucro, se referem, em última instância, ao tempo de trabalho humano.

A carta de Marx, na minha visão, contém a mais importante passagem já escrita na história da economia. Mas o fato de que o tempo de trabalho humano deve ser organizado não estabelece que o trabalho humano é a única causa do lucro. O capitalismo aloca e organiza simultaneamente todos os outros tipos de recursos, não apenas o trabalho humano, isso inclui os recursos naturais tais como a terra, e recursos produzidos, tais como o equipamento capital.

O trabalho humano é o insumo universal

Outra resposta é afirmar que o trabalho humano é especial porque é o insumo universal em qualquer processo de produção. Mesmo a produção de capital intensivo, altamente automatizado, envolve o trabalho humano Máquinas dedicadas, como colheitadeiras combinadas, só são empregadas em certos setores da produção. Em contraste, o trabalho humano é empregado em tudo.

O problema desse argumento é que, embora o trabalho humano esteja presente em cada processo produtivo, isso não quer dizer que ele, e apenas ele, cria lucro. Pois o trabalho humano é combinado com fatores não-humanos em cada processo produtivo.

Os humanos são sistemas autorreprodutivos vivos

Outra resposta é dizer que apenas os humanos são sistemas vivos, autorreprodutivos e, portanto, capazes de manter sua própria existência corpórea. Nós criamos a economia precisamente para nos reproduzirmos através do tempo. Sem nós, a economia colapsaria.

É claro que isso é verdade, mas o trabalho humano não é o único capaz disso. Animais também são sistemas vivos, capazes de se reproduzirem sem nossa ajuda, e também estão envolvidos na produção. E sem as capacidades autorreprodutivas do mundo natural, nossas economias colapsariam rapidamente. Podemos, também, imaginar que o taxista robô tem algoritmos para monitorar sua própria saúde e tem a capacidade de comprar peças de reposição, além da força de trabalho humana para instalá-las. Então, simplesmente ser capaz de se manter, não distingue o trabalho humano do não-humano. E, de qualquer maneira, essa capacidade não tem relação com a criação do lucro.

Os humanos são orientados para um objetivo

Marx, no livro 1 de O Capital, observa que “o que desde o início distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia em sua mente antes de construí-la com a cera.” Marx está traçando um contraste entre a atividade humana planejada, orientada para um objetivo, em comparação às máquinas que apenas seguem regras cegas.

É verdade que a imaginação humana ultrapassa qualquer máquina. Mas, não é verdade que apenas os humanos são orientados por objetivos. Todos os animais e todos os robôs sofisticados, formulam planos e seguem objetivos de um tipo. E, para o propósito da produção de mais-valor, tudo que importa é comportamento, não como esse comportamento é gerado, em última instância. Uma colmeia é uma colmeia, independente se foi produzida por uma máquina inteligente ou uma máquina idiota.

Os humanos lutam por mais

Outra resposta é apontar que apenas os trabalhadores lutam contra capitalistas pela jornada de trabalho, e que apenas os trabalhadores podem se organizar para protestar por salários mais altos e obter uma parcela maior do mais-valor que criam. As máquinas não defendem a si mesmas.

Obviamente, isso é verdade. Mas podemos inverter este argumento e apontar que os capitalistas, como uma classe, são de muitas maneiras muito mais bem-sucedidos em se organizar para obter parcelas crescentes do tempo de trabalho excedente da sociedade. Queremos, portanto, afirmar que os capitalistas criam mais-valor?

Portanto, essa resposta não se dirige ao teste de Turing de forma alguma. O fato de os trabalhadores terem a capacidade de lutar por uma fatia maior dos lucros não significa que eles sejam a causa disso.

Os humanos se recusam a trabalhar

Outra resposta é observar que os humanos, ao contrário das máquinas, podem negar sua força de trabalho, podem retirá-la. Eles entram em greve e impedem a realização dos lucros.

Mas as máquinas quebram o tempo todo e o lucro também para. E algumas máquinas já decidem, embora atualmente de uma forma muito primitiva, retirar seu trabalho por meio de mecanismos à prova de falhas que são projetados para evitar o superaquecimento ou quebra mecânica. Portanto, todos os fatores de produção precisam trabalhar juntos para produzir lucros. E qualquer fator, humano ou maquinal, pode parar de funcionar a qualquer momento.

O problema com essa resposta é que ela explica por que o valor às vezes não é produzido. Mas não estabelece que os humanos criam valor de maneira única quando concordam em trabalhar.

Os humanos estão no controle

Outra resposta é reconhecer a contribuição das máquinas, mas ressaltar que são os humanos que decidem ativamente produzir as coisas, que dirigem e controlam o processo de produção e que sem nós nada aconteceria. Em outras palavras, somos causalmente responsáveis pela produção e, portanto, a causa da mais-valia.

No entanto, quem ou o que tem a responsabilidade causal final não está claro. Por exemplo, em alguns processos de produção, as máquinas estão no controle. Marx, em seu “Fragmento sobre as Máquinas”, observa que “a atividade do trabalhador [é] reduzida a uma mera abstração da atividade, é determinada e regulada por todos os lados pelo movimento do maquinário”. O imperativo de produzir mais-valor deriva, em última análise, das leis impessoais e objetivas da competição capitalista. Nesse sentido, os trabalhadores não têm o controle da produção, e sim são escravos assalariados dirigidos e controlados pelo domínio do capital.

Os humanos fazem as máquinas

Outra resposta é apontar que as máquinas são criações nossas. Nós as produzimos, mas elas não podem nos produzir. Elas são exemplos anteriores de que os humanos trabalham de forma mais inteligente. E, portanto, tudo que uma máquina faz é atribuível, em última instância, ao trabalho humano.

Novamente, isso é verdade. Mas também é verdade que nunca houve um tempo em que os humanos trabalhassem sem a ajuda de máquinas naturais ou artificiais. Todas as máquinas são, também, criadas conjuntamente pela força de trabalho de máquinas anteriores.

Nenhuma dessas respostas foi bem-sucedida

Há fragmentos de verdade em todas essas respostas. Mas nenhuma deles tem sucesso em responder ao teste de Turing. Além disso, essas respostas não se envolvem diretamente com o que Marx realmente argumenta, com o conteúdo específico de sua teoria do mais-valor: Marx busca revelar o mecanismo causal, no interior da produção, que realmente atinge a acumulação de capital e o crescimento. E ele afirma que isso é atingido pelas pessoas trabalhando mais e de forma mais inteligente.

Então, ainda temos uma contradição aparente para resolver.

A produção de mais-valor: mudanças nas condições de produção

Então, há algum problema com a teoria do mais-valor de Marx? Ou há algum problema com o experimento mental? Imagine um processo produtivo típico. O capital variável – os seres humanos – tem as capacidades de agir de formas altamente variáveis. O capital constante – por exemplo mesas, cadeiras, martelos, aquecedores, CPUs, softwares dedicados, etc. – agem de uma forma constante e não têm a capacidade geral de notar formas de conseguir mais produtos com menos insumos. O problema fundamental com esse experimento mental é que ele compara duas situações estáticas: uma situação onde os seres humanos exercem a tarefa de dirigir táxis, e uma situação onde robôs o fazem da mesmíssima forma. E depois aponto que, nos dois casos, o nível de lucro permanece o mesmo. Mas a teoria do mais-valor de Marx é fundamentalmente não sobre o que determina o nível de lucro, mas o que determina as mudanças no nível do lucro.

Marx define a produção de novo mais-valor absoluto por uma mudança na duração da jornada de trabalho ou uma mudança na intensidade do trabalho. E ele define a produção de novo mais-valor relativo por uma mudança nas técnicas de produção. Então, a teoria de Marx é sobre a causa da mudança no nível de lucro por causa da mudança nas condições de produção. E, a esse respeito, a teoria de Marx é uma teoria irredutivelmente e fundamentalmente dinâmica da mudança no lucro ao longo do tempo histórico.

O experimento mental do teste de Turing não considera uma mudança no lucro, e não considera o que acontece no tempo histórico. E, como aponta o próprio Marx, sua teoria do mais-valor é inteiramente compatível com empresas individuais substituindo seres humanos por máquinas e retendo, ou até mesmo aumentando, seu nível presente de lucros, ao menos inicialmente. Isso significa que a afirmação de Marx de que a mudança no nível geral dos lucros é causada, em última instância, pela força de trabalho humana e apenas por ela, não é contradita por esse experimento mental. Eis o porquê desse experimento mental errar o seu alvo.

As máquinas não passam no teste de Turing

Para esclarecer ainda mais esse ponto, vamos estender a duração do Teste de Turing. Considere que o Uber substituiu sua frota de motoristas humanos por robôs, mas a Lyft ficou com os humanos. Por suposição, seus níveis de lucro começam idênticos. Mas vamos imaginar que, devido às mudanças na economia em geral, haja uma nova demanda por entregas ao domicílio de comida de restaurante.

Os taxistas robôs não fazem ideia dessa nova demanda porque sua entrada sensorial não a inclui. Mas, mesmo que incluísse, os algoritmos não podem processar esses dados e inferir que há uma oportunidade de ganhar algum dinheiro extra. Em contraste, os motoristas de táxi humanos identificam essa nova tendência e percebem que também podem transportar comida por aí, entre seus negócios normais, e ganhar mais dinheiro. Como resultado, os níveis de lucro do Uber e do Lyft divergem. Os lucros da Lyft são maiores porque ela está começando a conquistar uma fatia do mercado de entrega de alimentos. Por quê? Porque os taxistas humanos, de forma bastante espontânea, inovaram.

O trabalho humano, diferente do trabalho maquinal, é variável e pode se adaptar a novas circunstâncias, e mudar suas próprias condições de produção. Máquinas podem reproduzir um nível existente de lucro, por um tempo, mas não podem, em geral, mudar o nível de lucro. Então, assim que apresentamos o tempo histórico ao teste de Turing, vemos imediatamente que as máquinas não conseguem passar nele.

A tese das potências causais

Chegamos a uma resposta a uma objeção comum à teoria do mais-valor de Marx. Eu a chamo de resposta das “potências causais” porque é baseada no que os humanos, e apenas eles, podem realmente fazer, suas capacidades que realmente se manifestam na atividade material na “morada oculta de produção”. Os humanos têm potências causais universais, enquanto as máquinas têm apenas potências causais particulares. Isso significa que apenas a força de trabalho tem capacidade de trabalhar mais e de forma mais inteligente, em todos os processos de produção, para causar mudanças no nível dos lucros.

A força de trabalho é o “elemento criador de valor universal” porque, em todos os processos de produção, ela pode trabalhar mais ou de forma mais inteligente para mudar as condições de produção causando mudanças no nível dos lucros.

É claro que qualquer atividade particular exercida por humanos pode, em princípio, ser mecanizada. Mas, atualmente, nenhuma máquina alcança as potências causais universais dos seres humanos. O experimento mental do motorista de táxi numa caixa corretamente presume que o comportamento dos humanos e das máquinas pode ser idêntico. Mas é equivocado presumir que as potências causais dos humanos e das máquinas são idênticas.

As potências causais dos humanos são, em geral, muito diferentes das máquinas atuais, ou de qualquer outro mecanismo que conheçamos. Podemos imaginar pôr qualquer tipo de atividade humana atual numa caixa hipotética e depois substituí-la por uma máquina atual ou do futuro. O nível dos lucros, por um tempo, permanecerá inalterado. Mas quando a força de trabalho humana está envolvida num processo de produção, aquele processo tem muito mais do que um mecanismo dedicado que exerce uma tarefa concreta. A força de trabalho humana é toda uma coleção de capacidades que transcende qualquer tarefa concreta. Muito rapidamente, encontraremos maneiras de mudar as condições de produção e criar novo valor excedente.

Por quê? Porque os seres humanos são infinitamente inventivos, criativos e adaptáveis – nossas imaginações são prodigiosas, e aprendemos fazendo. Animais, máquinas e plantas, simplesmente, não têm tais potências causais. Nossas potências causais são precisamente aquelas que não podem ser guardadas numa caixa, mas que sempre a sobrecarregarão. Então, as máquinas não podem, em geral, agir para mudar o nível dos lucros. Mas os humanos podem. E é a essa conclusão que a teoria do mais-valor de Marx chega.

Montagem do Toyota Prius.

A inversão ideológica

Essa conclusão deveria ser de bom senso. Mas há uma pressão ideológica enorme em negar a agência dos trabalhadores, negar nossa responsabilidade causal pela produção do produto econômico. Proprietários capitalistas, que financiam a produção, veem seu dinheiro se manifestar visivelmente como capital constante diante de seus olhos. Podem literalmente despejar suas contribuições na produção. Isso, a eles parece, é a corporificação material de sua contribuição para o produto, claro como o dia. Além disso, é um fato empírico que a introdução de maquinário pode expulsar força de trabalho humana e, ainda assim, gerar maiores lucros. Uma empresa com vantagem de pioneira desfrutará de superlucros até que seus competidores a alcancem. Então, os capitalistas introduzem maquinário e veem os lucros crescerem. Tanto para as reivindicações do trabalho, e tanto para a teoria de Marx sobre a origem do lucro.

Mas, como vimos, o capital variável – isto é, a força de trabalho humana – é a causa das mudanças no lucro, não o capital constante. Por isso, o que os capitalistas estão realmente vendo são mudanças na lucratividade devido a outros trabalhadores, em outras empresas, trabalhando mais e de forma mais inteligente, para criar as máquinas que seu dinheiro-capital compra. Na empresa individual, especialmente do ponto de vista dos capitalistas, a verdadeira causa de mudanças na lucratividade está oculta. Por isso Marx fala de uma inversão ideológica. Ele diz: “essa distorção da relação entre trabalho morto e vivo, entre valor e força criadora de valor, reflete-se na consciência dos cérebros capitalistas”.

Não só na dos capitalistas, mas de toda a população. A depreciação da agência da força de trabalho humana é bastante pronunciada e muito pervasiva. Todo mundo cai nela, mesmo economistas e filósofos muito bem formados. Por exemplo, a ideologia capitalista, especialmente em relatórios econômicos, enfatiza que o lucro e o crescimento são criados por investimentos. O papel ativo é dado ao capital, não ao trabalho. Ou, então, quando nos dizem que o lucro se dá pelas ações de heroicos empreendedores.

Alguns empreendedores realmente trabalho, ao invés de apenas financiar o trabalho.

Mas as contribuições dos trabalhadores mais avançados tecnicamente, que incluem o trabalho de aplicar nova tecnologia para atender à demanda desatendida, normalmente são agrupadas e combinadas com a propriedade da empresa. Esse trabalho de ponta pode ser altamente recompensado, especialmente se os fundadores técnicos tiverem participações na empresa. E assim, a enorme discrepância entre suas recompensas financeiras em comparação com a maioria dos trabalhadores, recompensas financeiras que são predominantemente ganhas com patrimônio e não com salários e, portanto, principalmente derivadas do trabalho de outros, não deles próprios, contribui ainda mais para a separação ideológica de seu trabalho em uma categoria especial.

Portanto, mesmo quando está claro que são equipes de trabalhadores cooperativos que criam novos lucros, esses trabalhadores são classificados como “inventores” especiais, “criadores de riqueza”, “inovadores” e assim por diante. Deus nos livre de que seu trabalho seja classificado apenas como outro tipo de trabalho, de modo que suas contribuições sejam consideradas exatamente do mesmo tipo que as da grande maioria das pessoas.

Com exceção de alguns inovadores, a ideologia capitalista em geral denigre, ignora ou nega as potências de criação de valor únicas do trabalho humano. Isso minimiza a agência da classe trabalhadora. Mas o capitalismo também restringe materialmente a agência dos trabalhadores. O capital exige que milhões de pessoas se disciplinem para executar tarefas altamente especializadas, repetitivas e restritas. E assim, para muitos, a atividade de trabalhar significa agir como uma máquina.

Tantos trabalhadores não têm a oportunidade de inovar e produzir um novo mais-valor relativo, embora sejam capazes disso. Quase sempre repetem os mesmos processos, dia após dia e, portanto, reproduzem os mesmos níveis de mais-valor. A imagem do trabalhador na sociedade capitalista não é heroica, inovadora, criativa ou inventiva. Mesmo que, em todos os casos, os trabalhadores sejam capazes exatamente disso.

Máquinas não criam valor

Então, parece que terminamos. Explicamos por que os humanos, e não as máquinas, criam valor. Nenhuma outra agência ou mecanismo chega perto de rivalizar com nossas potências causais, incluindo nossas habilidades para inovar, experimentar, descobrir e aprender e desenvolver novos conhecimentos. Estamos verdadeiramente no ápice da inteligência na terra, somos a personificação do trabalho abstrato ou máquinas universais. Em qualquer ponto no tempo, a divisão de trabalho do mundo inclui um espectro de atividades de trabalho concretas que variam de tarefas bem definidas, repetitivas e semiautomáticas a tarefas criativas, indefinidas e em constante mudança. Esse espectro não mapeia perfeitamente a divisão entre trabalho manual e intelectual. Algumas tarefas predominantemente físicas não serão automatizadas nem tão cedo. Enquanto algumas tarefas predominantemente intelectuais serão.

O trabalho humano substitui aspectos de suas próprias potências causais gerais por máquinas dedicadas. E, assim, a força de trabalho humana, movida pela motivação do lucro, é continuamente expulsa da divisão do trabalho e jogada no desemprego, onde deve tentar, mais uma vez, se encaixar em uma nova divisão do trabalho e competir com outros humanos, bem como outras máquinas, no mercado de trabalho. Nenhuma máquina de nossa criação é capaz de se equiparar à nossa capacidade de produzir mais-valor e competir conosco no mercado de trabalho. Nossas máquinas atuais são simplesmente fragmentos de trabalho concreto. E sendo fragmentos fixos e limitados, eles eventualmente se tornarão obsoletos e desatualizados. Eles não podem mudar e acompanhar. Hoje eles podem parecer brilhantes, mas logo ficarão manchados e velhos, e então os jogaremos – sem titubear – no proverbial monte de sucata.

Capital constante vs. variável

Vamos tornar a tese das potências causais o mais concreta possível. Escolha aleatoriamente um exemplo de capital constante que existe no mundo hoje. Há uma boa chance de que seja um tijolo, uma cadeira, uma caneta, talvez um chip de computador. A probabilidade de esse objeto trabalhe mais ou com mais inteligência na produção é zero. Em contraste, escolha aleatoriamente um exemplo de capital variável. Isto é, um ser humano vivo. Muitos de nós, na maioria das vezes, repetimos as mesmas atividades habituais de produção e, portanto, reproduzimos os níveis existentes de mais-valor. Mas a probabilidade de mudarmos nossas condições de produção, trabalhando mais ou de forma mais inteligente, é positiva. E quando o fazemos, produzimos novo mais-valor e, portanto, causamos mudanças na lucratividade.

Os críticos que afirmam que as máquinas podem criar valor e, portanto, a teoria de Marx sobre o lucro está errada, negam o fenômeno mais óbvio, lugar-comum e ubíquo da vida social: a atividade material sensível da jornada de trabalho total da sociedade, nossa agência humana coletiva na produção. É realmente um feito impressionante de inversão ideológica. Mas, como materialistas históricos, não nos damos por encerrados. Precisamos pensar na trajetória histórica.

Máquinas que criam valor

Qualquer teoria social, incluindo a de Marx, é um tipo de capital constante. Ela reflete a realidade social em pensamento. Mas a marcha da história altera a realidade social, portanto, nossos conceitos podem se tornar, se não obsoletos, ao menos carentes de um pouco de refinamento. A distinção de Marx entre o capital constante e o capital variável é bastante poderosa e bem-sucedida. Mas ela se provará verdadeira para sempre? Ou essa distinção é historicamente contingente?

Voltemos ao ponto materialista de que as máquinas de um certo tipo já criam valor, ao menos as que chamamos de humanos. Parece não haver limite, a princípio, para nossa habilidade de alienar nossas próprias potências em máquinas externas. Estamos apenas começando a compreender como automatizar e mecanizar aspectos da nossa própria cognição, incluindo aí nossa habilidade de aprender e se adaptar a novas circunstâncias. Por exemplo, o uso em larga escala de clusters distribuídos de computação, com chips dedicados ao exercício de calcular muito rapidamente operações de matriz, nos permitiu treinar enormes redes neurais, com bilhões de parâmetros, em enormes volumes de dados, tais como todos os textos escritos disponíveis na internet. Essas máquinas virtuais começam a exibir capacidades a nível humano de ler, escrever, traduzir, falar e criar imagens.

Conforme as máquinas replicam mais e mais nossas potências causais, elas não começarão, então, a produzir novo mais-valor? Podemos imaginar que taxistas robôs no futuro também perceberiam novas oportunidades de mercado. Ou, até mais, máquinas avançadas que enganariam o teste de Turing por mais tempo, competindo conosco em todas as áreas da divisão do trabalho, ao menos por um tempo, como elementos criadores de valor para o capital, antes de suas limitações serem finalmente expostas. Tais máquinas não seriam meramente capital constante, nem seriam totalmente capital variável. Seriam capital híbrido, capaz de produzir mais-valor por um tempo limitado, até se tornarem finalmente obsoletas. Parece provável que esses tipos de avanços nas forças produtivas contradiriam significativamente as relações sociais do capitalismo.

O futuro do trabalho humano e da máquina

E onde pode acabar esse processo histórico? Existem limites técnicos. E existem limites sociais impostos pelo modo de produção. Se escaparmos do domínio do capital, evitarmos o colapso civilizacional e continuarmos a devotar parte de nosso tempo para replicar nossas potências casuais, então, a nítida distinção entre trabalho humano e mecânico muito provavelmente se dissolverá. Do ponto de vista puramente técnico, parecem haver todos os motivos para se pensar que, um dia, construiremos máquinas capazes de se alimentar e se consertar, aprender e se adaptar e ter as potências causais de satisfazer todas as nossas demandas. Mas, tais máquinas, sendo nossas iguais, muito provavelmente não aceitariam nossas ordens.

Nessa assíntota tecnológica, a personificação do espírito histórico não mais se limitará a carne e ossos evoluídos. Mas, devemos esperar, a esse ponto da história, o debate sobre quais fatores de produção são causalmente responsáveis ​​pela produção econômica – e, portanto, quais classes podem estar justificadas em controlar sua produção e distribuição, e quais classes não podem, devido a sua redundância parasitária – que essa luta de classes pela divisão do excedente será uma curiosidade muito antiga, histórica, pertencente à infância da humanidade, quando ela se deixou dividir e governar pelo capital. E, de fato, devemos esperar que quando os humanos se replicarem totalmente, os replicantes irão mais longe, e mais longe do que nós, talvez iniciando uma nova era de trabalho superuniversal onde, infelizmente ou apropriadamente, os modelos biológicos não serão mais capazes de competir e manter-se, e – esperamos – serão então cuidadosas, silenciosa e com amoroso respeito – não ser jogados na pilha de sucata como outrora fizemos com eles, mas colocados em um pasto suave. Pois nossa esperança fervorosa deve ser que nossos filhos nos superem em muito.

“Realismo e Ciência Social: Alguns comentários sobre ‘The Possibility of Naturalism’ de Roy Bhaskar”, por Ted Benton

Bumblebees (Collins New Naturalist) by Ted Benton (2006-03-01): Ted Benton:  Amazon.com: Books

Tradução de artigo publicado no número 27 da revista Radical Philosophy, de 1981, presente no livro Critical Realism: Essential Readings, de 1998, organizado por Roy Bhaskar et al, por Gabriel Carvalho.

Descrito nesses termos gerais, tenho grande simpatia pelo projeto de Roy Bhaskar, mas, quanto à natureza das diferenças que ele identifica, e sua significância, devo questioná-lo. Em particular, proponho argumentar que a extensão e o significado das assimetrias entre ciências naturais e ciências sociais que Roy Bhaskar afirma identificar justificariam a descrição de sua posição como uma forma de antinaturalismo, ao invés de um “naturalismo qualificado”. Disto decorre que sua pretendida transcendência da polarização positivismo x hermenêutica não é totalmente bem sucedida. A insuficiência a esse respeito se deriva da reprodução na obra de Roy Bhaskar da mesma ontologia dualista que opõe o natural e o humano, sob a qual se assenta a base das formas hermenêutica e neokantianas de antipositivismo. Essa ontologia, por sua vez, se sustenta numa concepção desnecessariamente restrita das ciências naturais. Isso exclui ou sub-representa as características filosóficas e metodológicas de um número de ciências históricas e da vida, cujo peso para as ciências, tanto filosófico, quanto substantivo, é direto e muito pertinente ao projeto filosófico de Roy Bhaskar.

Ted Benton
Marxism and Ecology - Ted Benton and Martin Empson - YouTube
Ted Benton em palestra sobre marxismo e ecologia, de 2016.

“Realismo e Ciência Social”, por William Outhwaite

Human activity and external factors are driving global temperature •  Earth.com

Tradução de Gabriel Carvalho do 3º capítulo do livro New Philosophies of Social Science, presente na coleção Critical Realism: Essential Readings, organizada por Roy Bhaskar e colaboradores.

Mas, podemos realmente prescindir do conceito de sociedade? Como vimos, a alternativa mais aceita é uma ontologia de pessoas individuais e suas ações, onde estruturas sociais são meramente redescrições sumárias, metafóricas, destas. A vantagem é que o critério de identidade das pessoas se dá sem problemas pelos seus corpos, que são, quase sempre, claramente distintos dos outros corpos. Na verdade, no entanto, isso não nos ajuda muito, pois as ações humanas mais interessantes são aquelas que pressupõem uma rede de relações sociais. E, se essas relações sociais são uma precondição das ações individuais, parece estranho pensar que elas são menos reais do que essas ações.

William Outhwaite
Interview: Prof. William Outhwaite - YouTube
William Outhwaite em entrevista recente.

“A deficiência filosófica da razão: A crítica de Evald Ilienkov à inteligência maquínica”, por Keti Chukhrov

https://www.radiopapesse.org/img/images/chukrov.jpg
Keti Chukhrov, poetisa e acadêmica russa, teórica e filósofa da arte.

Nesse artigo, pretendo considerar as premissas de pensamento baseadas na teoria computacional (Negarestani, Parisi) para mostrar como, numa situação similar – quando, na década de 60, na União Soviética, estudos cibernéticos foram reivindicados como uma nova disciplina filosófica – um pensamento comunista, exemplificado aqui pelos escritos de Evald Ilienkov, desenvolveu seus próprios postulados militantes sobre o que é a razão, e porque uma emulação algorítmica seria impossível.

Keti Chukhrov

Artigo em inglês disponível na edição 2.07, da primavera de 2020, na revista Radical Philosophy.

How the Computer Got Its Revenge on the Soviet Union - Issue 23: Dominoes -  Nautilus
Os robôs malignos do capitalismo: este cartum de 1952 publicado em uma popular revista de tecnologia, Tekhnika–Molodezhi, zomba da distopia cibernética americana.

“Explicação Estratificada e a Concepção da História em Marx”, por Andrew Collier

Tradução de ensaio presente no livro Scientific Realism and Socialist Thought de Andrew Collier e na coleção de ensaios Critical Realism: Essential Readings, de Roy Bhaskar (org.).

Ao teorizar a relação entre avanços científicos revolucionários e as filosofias que elas deram origem, Althusser usa a metáfora dos continentes teóricos. “antes de Marx, apenas dois continentes tinham sido abertos ao conhecimento científico através de cortes epistemológicos continuados: o continente da matemática com os gregos (através de Tales ou quem quer que tenha recebido esse nome mítico) e o continente da física (através de Galileu e seus sucessores)” (Lenin and Philosophy [LP], p. 42). Althusser segue localizando a química e a biologia, que atingiram seus “cortes epistemológicos” com Lavoisier e com Darwin e Mendel, dentro do continente da física. Marx é creditado com a abertura de um terceiro continente – o da história; e é ‘provável’ que Freud tenha descoberto outro. Concedamos (por enquanto, ao menos) a importância incomparável e inovação das descobertas listadas como continente, e também a ideia de um atraso filosófico. Resta saber se essa metáfora dos continentes pode ser levada mais longe. Althusser já o fez, ao chamar as várias ciências naturais de regiões da física (loc. cit.): elas provavelmente estão próximas umas das outras como a Normandia e a Bretanha, partes de uma mesma massa de terra, distintas por razões históricas e culturais; mas sem fronteiras em comum, ou rotas terrestres para outros continentes. Essa metáfora, assim estendida, sugere várias noções questionáveis.

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Ilustração do início do século XX representando a sociedade capitalista em seus estratos de classe.

Parem o jogo! Eu quero sair!

Tradução de artigo de Michael Roberts, disponível no original em inglês no blog The Next Recession.

Hedging”, ou “cobertura”, era uma prática de reduzir os riscos de compra e venda. Fazendeiros esperando pela época da colheita não sabem por qual preço venderão sua safra no mercado; o preço lhes dará um lucro suficiente para viverem pelo próximo ano, ou os deixarão desamparados? Para reduzir o risco, companhias de fundo de cobertura se oferecem para comprar adiantada a colheita, por um preço fixo. O fazendeiro tem um preço e renda garantidos, não importa o preço da safra quando ela for ao mercado. Os fundos de cobertura assumem o risco de lucrarem ao comprar a safra num preço abaixo do eventual preço de mercado. Dessa forma, a “cobertura” pode suavizar a volatilidade dos preços, geralmente muito altos nos setores agrícola e minerador.

Mas, no mercado financeiro, a prática de hedging e os fundos de cobertura têm outra função. Se tornou um jogo, com bilhões do dinheiro de outras pessoas em risco, transformando o mercado de bens e serviços num cassino de apostas financeiras. Num artigo anterior, expliquei como o que Marx e Engels chamaram de “capital fictício” (ações e títulos), e seu suposto valor, pouco tinham a ver com real valor subjacente dos ganhos e ativos das empresas.

A cobertura financeira vai um passo além nesse escamoteio dos valores reais, uma vez que fundos de cobertura não apenas compram e vendem ações ao invés de investir em capital produtivo. Agora, eles apostam em qual será o preço de qualquer ação. Na “venda a descoberto”, um fundo de cobertura empresta ações de uma empresa de outros investidores (por uma taxa) e vende as ações no mercado a, por exemplo, US$10 cada. Então, espera até que elas caiam abaixo de US$5 para comprá-las de volta. As ações emprestadas voltam ao proprietário original e o fundo de cobertura abocanha o lucro.

Longe de suavizar as mudanças de preços, ao apostar na queda ou subida de preços, os fundos de cobertura na verdade prosperam com o aumento dessa volatilidade. “Emprestando” para fazer subir os preços, ou “pegando emprestado” pra fazer descer os preços, é o nome do jogo. E ao fazê-lo, os “emprestadores” podem, na realidade, levar empresas à falência, causando perdas de emprego e renda para milhares de pessoas.

No ano da pandemia de Covid-19, enquanto a “economia real” colapsa, aqueles que tem dinheiro de sobra e buscam um retorno (de bancos, fundos de pensões, indivíduos ricos) investiram pesado no mercado de ações, geralmente usando dinheiro emprestado (a quase zero de juros) e esses grandes investidores puseram muito do seu dinheiro em fundos de cobertura e buscam as ditas “pessoas inteligentes”, para lhes garantir um lucro. E eles têm apostado alto nisso.

Mas, também no ano da pandemia de Covid-19, houveram milhões de pessoas trabalhando em casa ou estiveram de licença, vivendo de poupanças que não podem gastar pois estão sob lockdown e não podem viajar. Então, muitos entraram em redes sociais com o Reddit, pra apostar no mercado de ações.

Esses pequenos investidores recentemente se uniram e ganharam força para fazer frente às grandes instituições em seus jogos de apostas. Desde o começo do ano, um grupo de negociantes amadores, organizados no Reddit, tem jogado o mercado contra os maiores fundos de cobertura, que tinham ações emprestadas da GameStop, uma loja de videogames dos EUA. Essa empresa sofreu no ano passado com a pandemia, e esperava-se sua falência. Os fundos de cobertura, então, se juntaram para desvalorizar as ações da empresa.

Mas os pequenos negociantes fizeram o oposto e usaram sua força para disparar o preço das ações, forçando os fundos de cobertura, apoiados em grandes bancos e instituições, a comprar de volta as ações por preços mais altos, enquanto o relógio corria contra suas apostas com empréstimos (eles são contratos com tempo fixo). Como resultado, vários fundos de cobertura “emprestadores” sofreram um enorme prejuízo (de US$13 bi) e um fundo teve de ser resgatada pelos seus investidores por um valor de US$2,75 bi.

Disparada do preço das ações da GameStop no fim de janeiro.

Wall Street está em polvorosa.  Os pequenos investidores “sabotaram” o mercado, eles choram, ameaçando o valor dos seus fundos de pensão e pondo bancos em risco. Isso é uma baboseira, claro. O que isso realmente mostra é que o mercado financeiro é “sabotado” pelos grandes investidores e os pequenos investidores é que, geralmente, são “passados pra trás” e feitos de bobo por esse covil de apostadores. Como disse Marx, o sistema financeiro “desenvolve o motivo da produção capitalista”, a saber, “o enriquecimento através da exploração do trabalho alheio, no mais puro e colossal sistema de apostas e enganações, o que restringe ainda mais o já muito pequeno número de exploradores da riqueza social” (Marx, 1981, p. 572).

É claro que, na batalha atual, os pequenos investidores irão perder, no fim. O secretário de finanças do estado de Massachusetts, William Galvin, já acionou a bolsa de valores de Nova York para suspender a GameStop por 30 dias para um período de resfriamento. “Isso não é investir, isso é apostar”, ele disse. Sem problemas! E os pequenos investidores já estão vendo uma elevação nos custos e limites sobre suas compras impostas por corretores e marcadores de mercado (os donos do cassino) para impedi-los de investir. E já há uma conversa no alto escalão sobre “regular” o mercado pra impedir que investidores “ataquem em bando” as “legítimas” instituições de Wall Street. O preço da GameStop agora está em queda.

Para os trabalhadores, todas essas travessuras podem parecer irrelevantes. Afinal, a maioria das famílias de trabalhadores tem poucas ou nenhumas ações. O 1% das famílias mais ricas tem 53% da riqueza no mercado de ações, com os 10% mais rico tendo 93%. Os outros 90% tem apenas 7%. No entanto, pensões de trabalhadores e contas de aposentadorias (se esses trabalhadores sequer as têm) são investidos por empresários de fundos de pensão privados em ativos financeiros (após uma dedução de gordas comissões). Então, a poupança das família trabalhadores estão vulneráveis ao jogo de especulação dos enganadores do cassino financeiro – como bem mostrou a quebra da bolsa de valores de 2007/2008. 

Distribuição de ações entre os 90% menos ricos (em cinza) e os 1% mais ricos (em azul). Em laranja, os 9% restantes dos 10% mais ricos.

O que essa pequena fábula sobre a GameStop nos mostra é que fundos de pensão de empresas e pessoas, geridos por “pessoas inteligentes”, são uma cilada para os trabalhadores. O que é preciso é uma previdência pública, que não está sujeita à volatilidade do cassino financeiro. Os grandes fundos de cobertura se queimaram nesse último conflito com pequenos investidores e eles querem expulsar esses baderneiros do jogo. O que a classe trabalhadora deveria querer, no entanto, é que esse jogo acabe de uma vez por todas.

“Marx não era um empirista”, de James Farr

“Marx nunca escreveu um tratado substancial sobre o método científico; nenhuma Lógica da Descoberta Científica, nenhuma Metodologia das Ciências Sociais, nem sequer Regras do Método Sociológico. Ele escreveu apenas dois textos parcialmente relacionados ao assunto, nenhum dos quais ele retocou ou publicou. Um deles era uma introdução incompleta e prematura aos seus estudos econômicos, escrito em 1857; o outro, um conjunto muito grosseiro de notas sobre Adolph Wagner escrito entre1879 e 1880, poucos anos antes de sua morte.1Quando esses textos gêmeos se exaurem, os intérpretes da visão de Marx sobre o método científico devem montar um quebra-cabeças com parágrafos, frases, notas, até mesmo as reclamações em cartas sobre “a tagarelice a respeito da ‘ciência’”.”

Karl Marx, Yesterday and Today | The New Yorker
Ilustração de Roberto De Vicq De Cumptich.

“Marx a respeito do Capital como um Deus real”, de Ian Wright

Tradução de artigo publicado no Blog Dark Marxism. Original em inglês disponível aqui.

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Introdução

Há um aspecto específico da teoria de Marx sobre o capital que eu creio não ser suficientemente enfatizada. É a visão de Marx do capital como uma entidade real – um ser, com uma mente própria, que opera independente de nós.

E, é claro, quando afirmada de forma tão direta, essa proposição soa absurda. Como uma grande soma de dinheiro usado para gerar lucros pode ter uma mente própria? Isso não faz nenhum sentido.

Mas o meu objetivo, aqui, é explicar precisamente porque essa proposição não é absurda, e de fato articula a natureza essencial do capital, e que ver o capital como uma entidade é necessário para compreender a realidade social em que nos encontramos.

A entidade estranha de Marx

Marx via o capitalismo como uma formação social semiconsciente submissa a leis econômicas objetivas que ninguém controla de fato. E Marx repetidamente afirma que o capitalismo reproduz a mistificação religiosa que encontramos em estágios primitivos da história, mas de novas formas – como a do fetiche da mercadoria. Então, é bastante típico de Marx empregar metáforas religiosas ao discutir o capitalismo.

Mas o que escreveu Marx, comentando James Mill, em 1844, nos diz algo mais. Depois de sua típica pontuação de que a essência do dinheiro é uma forma específica de prática social – ao invés de uma propriedade de uma coisa material como o ouro – ele então diz que nossa prática social se tornou uma coisa material, independente – uma entidade real, um “Deus real” – que tem potências causais reais. E que nós somos escravos desse deus, e seu culto se tornou um fim em si mesmo.

A essência do dinheiro […] é a atividade mediadora ou movimento, o ato humano, social pelo qual os produtos do homem se complementam mutuamente, é estranhada do homem e se torna atributo do dinheiro, uma coisa material externa a si. Uma vez que o homem aliena essa atividade mediadora em si, ele é ativo aqui apenas como homem que se perdeu e é desumanizado; a própria relação entre as coisas, a operação do homem sobre elas, se torna operação de uma entidade externa e acima do homem. Submetido a esse mediador estranho – invés do próprio homem ser mediador do homem – ele submete sua vontade, sua atividade e sua relação com outros homens como uma força independente dele e dos outros. Sua escravidão, portanto, atinge um pico. É claro que esse mediador agora se torna um Deus real, pois o mediador é a potência real sobre o que ele media para mim. Seu culto se torna um fim em si mesmo. (Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844)

E nós devemos enfatizar que Marx diz um deus “real”, e não um deus imaginário. Então, Marx não está falando de uma mera adoração ideológica da imagem da livre empresa ou do mercado, mas de uma real subordinação material a uma entidade realmente existente.

Ciência ou Metáfora?

Não se trata de um mero fetiche da mercadoria, mas de um pesadelo lovecraftiano de grandes proporções.

Com certeza, isso é uma hipérbole? As palavras de Marx sobre a produção de mercadorias manifestando ou invocando uma “entidade” que é um “deus real” com “poderes reais”, devem ser uma metáfora poética, que busca dar impacto dramático ao invés de precisão científica?

Estamos muito inclinados a interpretar Marx metaforicamente, e não literalmente, pois nossa cultura comercial moderna é bastante secular, e a vivemos no dia-a-dia. A economia, como acreditamos, é um empreendimento fundamentalmente profano, não sagrado. A atividade comercial busca sucesso mundial, não iluminação espiritual. E o sucesso depende, em última instância, de um domínio do mundo social e material, que requer indústria, experimentação e razão – e não a adoração, subordinação e fé em seres superiores. O capitalismo abraça a racionalidade científica e o progresso tecnológico, e se desligou com alegria das antigas crenças sobre deuses onipotentes.

Além disso, muitos de nós, eu espero, somos cientistas teimosos. E, portanto, devemos ser imediatamente céticos a respeito de afirmações sobre entidades misteriosas que existem “fora e acima dos homens”.

Então, essa e a questão que eu quero levantar aqui: o “Deus real” de Marx é realmente real? É uma entidade que realmente existe? Ou é uma mera metáfora, que serve pra ilustrar, ou dramatizar, algumas propriedades da realidade social? Em que medida devemos levar Marx a sério.

Estamos realmente adorando cegamente um deus estranho que nos controla?

Para responder essa questão, preciso revisitar alguns aspectos centrais do pensamento de Marx, especificamente sua teoria do valor econômico, mas de uma nova perspectiva, a da teoria do controle. E por controle, me refiro à teoria científica e matemática dos sistemas de controle. Essa nova perspectiva nos ajudará a interpretar o que Marx quer dizer com “Deus real”.

A afinidade de todas as coisas

Todos nós sabemos que partes da realidade podem representar ou medir partes da realidade. Uma régua mede, dimensões, um termômetro mede temperaturas e por aí vai. Criamos essas ferramentas de medida com um propósito definido.

Mas o significado do dinheiro, o que ele pode significar ou representar, não é tão claro. Embora o dinheiro apareceu há mais de dois mil anos, o que ele pode representar como um símbolo permanece objeto de profunda controvérsia.

Pra ser mais claro, por “dinheiro”, não me refiro a moedas e notas, de fato, mas ao invés disso, às quantidades numéricas que vemos estampadas em moedas ou impressas nas notas, ou armazenadas em bits nos computadores, e por aí vai. Pra ser mais preciso, deveria dizer “unidades de contagem”. Mas dizer “dinheiro” é mais simples, desde de que deixemos claro a que nos referimos.

Marx aborda o significado do dinheiro em seus, reconhecidamente difíceis, primeiros capítulos do primeiro volume d’O Capital. Ele aponta que a troca de mercadorias no mercado implica na existência de algo que confere igualdade ou equivalência entre elas. Por exemplo, se eu vendo 20 jardas de linho por 10 libras, e gasto minhas 10 libras num casaco novo, então, indiretamente, 20 jardas de linho se tornaram iguais a um casaco, pelo ato da troca.

Se os preços do mercado fossem inteiramente aleatórios, não haveria nada mais a dizer pois essa equivalência seria acidental. Mas, embora preços flutuem, eles não são aleatórios. Há um forte som entre o ruído. Tipicamente, você não pode vender uma caneta e comprar um avião. E não pode trabalhar por um dia e depois usar a diária pra comprar uma mansão. Há exceções, mas exceções provam a regra.

Então, durante qualquer período de tempo, há preços de mercado bem estabelecidos e definidos que determinam as proporções nas quais mercadorias podem ser trocadas, isto é, igualadas entre si. E todas essas trocas são facilitadas, parafraseando Marx, por um “mediador estranho”, que chamamos de dinheiro.

A “magia e necromancia” das mercadorias

Um rápido mergulho em qualquer manual antropológico logo revela que os humanos acolhem as mais diversas e extraordinárias crenças sobre como o mundo funciona e como deveríamos conduzir nossas vidas. O que algumas culturas consideram normal, outras poderiam considerar estranho ou bizarro.

Raramente vemos com um olhar antropológico nossa própria cultura. Porque é difícil fazê-lo. Requer nos retirar de nossa estrutura conceitual, e olhar para o ordinário e aceito como incomum e questionável.

Então, tomemos um momento para ver o quão fantástico é a troca de mercadorias.

Apenas ocultistas dedicados se atreveriam a afirmar que tudo que vemos, todas as coisas e atividades no mundo, são – apesar das aparências – todas as mesmas. Que 1kg de caviar é “o mesmo” que mil pessoas clicando no mesmo anúncio da internet. Ou que ser palhaço numa festa infantil é “o mesmo” que 200 balas de munição de espingarda. Ou que um mês de tempo computado numa máquina de alta potência na nuvem é “o mesmo” que uma tonelada de batatas. Apenas adeptos altamente treinados poderiam ver a verdade de tais semelhanças contraintuitivas e mágicas.

Mas nós mais do que vemos a verdade dessa afirmação. Nós, aberta e regularmente, a alcançamos. Manifestamos essas semelhanças mágicas diariamente. Tratamos quantidades de peixes e ovos, atenção humana, performances de palhaços, balas, tempo computado, batatas, e um desconcertante número de outras coisas, como “o mesmo” – pois, no mercado, elas podem muito bem ser trocadas umas pelas outras, através do “mediador estranho” que chamamos de dinheiro.

Tradições mágicas, de forma bastante quieta, propõem correspondências entre planetas, minerais e o destino humano. Mas as operações mágicas de nosso mundo comercial moderno – onde toda coisa, toda atividade, e até todo evento futuro é reduzido, de forma bem sucedida, a quantidades comparáveis dessa substância que chamamos de “dinheiro” – ultrapassam irresistivelmente, tanto em escala, quanto em ambição, as mais delirantes fantasias dos grimórios medievais. As trocas de mercado alcançam uma semelhança universal entre todas as coisas sob o sol.

É por essas razões que Marx escreve sobre o “mistério das mercadorias” com sua “magia e necromancia”.

Os mistérios econômicos

Sociedades de mercado alcançam uma abstração conceitual titânica: cada coisa que trocados entre nós é estampada com uma única propriedade quantitativa que nós chamamos de valor de troca. Mas, de forma misteriosa, ninguém, nenhuma consciência, é responsável por manter tal abstração.

Marx escreveu: “Uma mercadoria aparece à primeira vista como extremamente óbvia, uma coisa trivial. Mas sua análise revela que ela é uma coisa muito estranha, abundando sutilezas metafísicas e teológicas”. (Marx, O Capital, livro 1).

Então temos dois mistérios econômicos: uma abstração social onipresente sem qualquer conteúdo óbvia, e uma abstração se um abstrator.

Para decidir ser o “Deus real” de Marx é real ou uma metáfora, precisamos ir mais fundo no “mediador estranho” do dinheiro, que o valor de troca representa e que, se algo, sustenta essa abstração.

O conteúdo do valor ou trabalho abstrato

Comecemos pelo primeiro mistério: o que é a abstração do valor de troca? O que essas quantidades de dinheiro realmente denotam?

Marx sustenta que o valor de troca se refere uma propriedade comum, especial, compartilhada por todas as mercadorias – estas sendo produtos do trabalho. Então, caviar e cliques são o mesmo, pois, manifestá-las como mercadorias no mercado requer o sacrifício do trabalho de alguém.

Penso que o argumento de Marx – pela proposição de que a propriedade especial comum compartilhada por todas as mercadorias é o trabalho – é insatisfatório. Penso que a conclusão de Marx está correta, mas seu argumento para ela, não. Mas não quero pegar uma tangente nesse debate. Então vamos simplesmente aceitá-lo de cara por enquanto.

Marx, então, diz que a propriedade comum não pode ser tipos específicos de trabalho – pois pescar caviar, ou escrever programas de anúncios, ou fazer performances de palhaço, ou fabricar munição – são atividades muito diferentes.

O ato da troca abstrai do indivíduo peculiaridades de diferentes atividades de trabalho, deixando somente o que é comum a todas elas, o que Marx chama de “trabalho humano em abstrato”, ou trabalho abstrato. Mercadorias, de acordo com Marx, tem valor econômico “apenas porque o trabalho humano em abstrato se encontra incorporado ou materializado nelas”.

Temos de ser cuidadosos com o termo “incorporado”. Marx não quer dizer literalmente que o trabalho abstrato é inerente ao corpo material da mercadoria. Trabalho abstrato não é uma propriedade física da coisa. O que ele quer dizer é que uma fração definida do total de tempo de trabalho da sociedade deve ser usado, ou despendido, para produzir a mercadoria e trazê-la ao mercado.

Então, o trabalho abstrato não é trabalho concreto, não é um tipo específico de atividade laboral, mas outra coisa, algo mais profundo e mais geral. Como Marx afirma, o trabalho abstrato tem “o caráter de força de trabalho média da sociedade”. Então, uma boa primeira aproximação é pensar que o trabalho abstrato denota as forças causais do trabalhador típico ou médio. Não é exatamente correto, mas por enquanto, basta.

Então, de acordo com Marx, a abstração titânica alcançada pela troca de mercadorias se refere ao conteúdo específico, que é uma propriedade do mundo material, que ele chama de trabalho abstrato.

Como medimos o trabalho abstrato?

Marx, então, imediatamente faz a óbvia pergunta: “Como, então, a magnitude desse valor é medida?”, a qual ele responde, de uma forma aparentemente direta, que ela é medida “pela sua duração, e o tempo de trabalho, por sua vez, encontra seu padrão em semanas, dias e horas”. Então falamos de unidades de tempo.

Podemos supor, portanto, que podemos imediatamente puxar nossos relógios e começar a medir a quantidade de tempo que as pessoas gastam no trabalho e correlacionar nossas medidas com os preços que observamos no mercado. Pois se preços realmente representar tempo de trabalho, então deveríamos, em princípio, ser capazes de verificar essa afirmação cientificamente.

Mas seria muito precipitado. Antes de podermos considerar verificar empiricamente a teoria do valor de Marx, precisamos esclarecer do que ela se trata.

Não tenho certeza do quão deliberado é isso, especialmente lendo Marx traduzido. Mas vale notar que Marx não pergunta “como devemos medir as quantidades de trabalho abstrato?”, nem a responde dizendo que “podemos medi-lo pela sua duração”.

E isso por quê nós não medimos o trabalho abstrato. Outra coisa o mede.

Essa propriedade da teoria de Marx – de que o dinheiro se refere ao tempo de trabalho em virtude de nossa atividade coletiva, social e independente do que pensamos dela – é radicalmente diferente da economia política clássica de sua época e da teoria econômica moderna.

A abstração não é nossa, pois nossa cognição não opera essa abstração. Não somos os abstratores. O abstrator misterioso, pelo contrário, toma as medidas de tempo de trabalho e as conectando à forma do valor, que é dinheiro, ao seu conteúdo, que é o trabalho abstrato.

Então, como cientistas, nossa primeira tarefa não é começar a medir o tempo de trabalho. É compreender o que é o abstrator e como ele conecta sua abstração ao seu mundo. Precisamos de uma teoria sobre essa entidade abstrata e seus poderes, antes de embarcar na verificação empírica.

Quem ou o que é o abstrator?

Então temos uma resposta parcial ao primeiro mistério econômico. A abstração do valor de troca, ou simplesmente o dinheiro, representa o “trabalho abstrato”. Então, nos voltemos ao segundo mistério: quem opera a abstração? Quem ou o que é o abstrator misterioso?

De fato, Marx já nos disse quem ele é. Às vezes, mistérios se escondem à plena vista. A grande pista é a escolha de Marx do título da sua obra magna. O abstrator é o que Marx chama de “capital”.

Mas o termo “capital” pode enganar. Em primeiro lugar, nos faz pensar sobre largas somas de dinheiro. Uma soma de capital. Mas o capital é muito mais que isso. E, em segundo lugar, a teoria econômica moderna reduziu o termo “capital” a uma descrição vaga de um termo que mistura, de forma confusa, equipamentos de capital com grandes somas de dinheiro.

Mas, capital, para Marx, é, em primeiro lugar, uma prática social. O capital denota uma coleção de atividades que certas pessoas praticam regularmente, embutida no interior de um sistema de direitos de propriedade, contratos e poder coercitivo. O capital é um circuito, onde uma soma inicial de capital é “investida” na produção e, então, tipicamente retorna com um incremento de lucro. O capital se expande, sempre que pode. Esse circuito é mediado não apenas pelo dinheiro, mas também pela produção econômica em si, inclusive pela disciplina e exploração dos trabalhadores.

A linguagem padrão de Marx – de capital, relações sociais de produção, circuitos de acumulação, etc. – não evoca totalmente o que realmente acontece, e eu penso que, por isso, ele se vale tantas vezes da linguagem religiosa.

Então, ao invés de dizer “capital”, eu também direi “o controlador”. Pois o capital é um sistema de controle, não meramente no sentido político, mas no sentido mais profundo e cientificamente importante de ser um sistema de controle de retorno negativo. O capital é literalmente um controlador. Então, se o capital é um controlador, como ele funciona, e o que ele controla?

Sistemas de controle

O progresso científico às vezes consiste em organizar um conjunto inteiro de fenômenos diversos sob um único princípio. A emergência da cibernética, no início do século XX, foi um evento desse tipo.

A principal ideia da cibernética e a de que muitos tipos diferentes de sistemas – sejam mecânicos, físicos, biológicos, cognitivos ou social – são tipos de sistemas de controles que demonstram um tipo particular de estrutura causal, o loop de controle de retorno negativo.

E acontece que o controle de retorno negativo explica como partes da realidade podem controlar e, portanto, se referir a outras partes da realidade.

Pegue o exemplo mundano de um termostato. Você configura o objetivo do sistema ao ajustar sua configuração de temperatura. O componente termômetro do sistema mede a temperatura do ambiente. O termostato compara mecanicamente sua configuração com a temperatura medida. Se a temperatura for muito alta, então, o termostato emite um sinal para ligar o aquecimento; de outra forma, ele desligaria o aquecimento. Dessa forma, o sistema de aquecimento controla a temperatura do ambiente. E o fará de forma autônoma, sem que você precise tocá-lo outra vez.

Todos os loops de controle de retorno negativo têm quatro componentes principais: 1) um estado-objetivo interno; 2) um sensor que mede alguma propriedade do mundo externo; 3) um comparador que compara a leitura do sensor com o estado-objetivo e 4) um efetor ou sistema de ação, que muda o mundo para aproximá-lo do estado-objetivo.

A temperatura de nossos corpos é controlada por um tipo biológico similar de loop de retorno, exceto que o loop de controle não é implementado sobre metal, fios e plástico, mas sobre nervos, enzimas e glândulas sudoríparas.

Na verdade, todos os sistemas homeostáticos e dirigido por um objetivo da natureza conforma-se a esse padrão causal. Diversos exemplos apenas implementam os componentes desse loop de controle de formas diferentes.

E, talvez para a surpresa de alguns, há um loop de controla muito significativo, se escondendo à plena vista, que afeta cada aspecto da vida moderno da forma mais profunda e íntima.

O capital como um sistema de controle de retorno negativo

A unidade básica de produção, onde o capital encontra trabalho para produzir bens e serviços, é a empresa capitalista. E toda empresa de maximização de lucro é propriedade de um capital privado.

Capitalistas extraem lucros das empresas. Eles podem gastar apenas uma fração de seus lucros em consumo de objetos de luxo. Pois, se os ricos gastassem tudo que ganhassem em objetos de luxo seu capital rapidamente diminuiriam e acabariam, comparado aos capitais concorrentes que investem seus lucros em outras atividades lucrativas. A renda do lucro deve ser reinvestida para produzir mais lucro. Essa é a primeira diretiva de qualquer um que possua uma soma capital de dinheiro.

Os donos do capital – isto é, capitalistas – não podem por todos os ovos numa cesta só. É muito arriscado pois as empresas podem afundar, ou ativos que armazenam valores podem ser depreciados. Então os capitalistas minimizam riscos ao ter um portfólio de investimentos como diferentes perfis de risco.

Um portfólio típico consiste de dinheiro depositado em diferentes moedas estrangeiras, títulos governamentais, municipais e corporativos, ações em diferentes companhias, desde startups arriscadas até ações mais valorizadas, e os mais diversos tipos de ativos produtores de lucros, como terrenos e casas. Basicamente, qualquer coisa que possa render um retorno maior do que a média.

Cada capital individual deve buscar maximizar o retorno sobre o seu portfólio. Se ele falha, diminuirá seu tamanho relativo a outros capitais e eventualmente deixará de ser capital.

E é bem aqui que encontramos de novo a estrutura causal do sistema de controle de retorno. Um capital individual – quando consideramos sua prática social mediada por uma soma de dinheiro privada – também tem seu estado-objetivo, entradas sensoriais, tomada de decisão e habilidade de agir sobre o mundo em que está embutido.

Tomemos cada um desses por vez. 1) O objetivo de um capital individual é maximizar o retorno médio de cada dólar (ou real) investido. 2) As “entradas sensoriais” são as diferentes taxas de lucro ganhas através do portfólio. 3) O capitalista, ou os experts financeiros que eles empregam, comparam as diferentes taxas de lucro e 4) o loop de retorno é fechado por ações que retiram capital de investimentos malsucedidos e injetam capital em investimentos de alta performance.

Esse loop de controle se manifesta numa busca insaciável e infinita por altos retornos.

O capital não se importa com como seu dinheiro é realmente usado na produção. Ele abstrai inteiramente de todas as atividades concretas. A única coisa que ele pode sentir, comparar e usar é valor abstrato.

Então, os altos escalões da economia global consistem de um conjunto enorme de capitais individuais, cada um fuçando ferozmente por lucros, reagindo a sinais de retornos diferenciais recebidos por suas gavinhas que se estendem até cada atividade produtiva sob seu comando, injetando e retirando capital continuamente de diferentes setores industriais e regiões geográficas. A totalidade dos recursos materiais mundiais, incluindo o tempo de trabalho de bilhões de pessoas, é repetidamente ordenada e reordenada de atividades de baixo retorno para as de alto retorno. Num espaço de meses, setores industriais inteiros podem ser erguidos, realocados ou rebaixados.

Capitalistas são possuídos, meros componentes da máquina do capital

E quanto aos sujeitos individuais que participam da prática social? Certamente sua consciência individual, suas ideias e seu comportamento importam e fazem a diferença, certo?

Em certa medida, sim. Mas indivíduos vem e vão, mas capitais vivem por muito mais tempo que qualquer indivíduo. As pessoas controladas pelo capital – isto é, os trabalhadores que fornecem trabalho às empresas, e capitalistas que os exploram e extraem lucros – são meros componentes substituíveis no loop de controle, mecanicamente operando papeis funcionais prescritos.

Por exemplo, n’O Capital, Marx escreve que:

[…] para a economia clássica, o proletariado é apenas uma máquina para a produção de mais-valor; por outro lado, o capitalista é, em seus olhos, uma máquina de conversão desse mais-valor em capital adicional.

Comumente dizemos que um capitalista possui capital. Mas é mais preciso dizer que o capital os possui. Capitalistas são a face humana de uma inteligência inumana com uma lógica e objetivos próprios.

Na sociedade burguesa, o capital é independente e tem individualidade, enquanto a pessoa vivente é dependente e não tem individualidade. (Manifesto Comunista)

O poder demoníaco do capital

Capitais maiores têm a vantagem de portfólios maiores, que minimizam riscos. Por isso, o capital tende a se concentrar em poucas mãos. Então, encontramos um grande número de pequenos capitais e um pequeno número de capitais de proporções astronômicas, que obtêm lucros gigantes, maiores que o PIB de vários estados-nação. A escala e poder de alguns capitais são realmente titânicos.

E esses titãs estão tão em controle que eles perdem o controle. Novamente, outra citação do Manifesto Comunista:

A sociedade burguesa moderna, com suas relações de produção, de troca e de propriedade, uma sociedade que conjurou meios de produção e troca tão gigantescos, é como um mago que não é mais capaz de controlar as forças do mundo inferior a quem ele invocou com seus feitiços.

Na mitologia, demônios são anárquicos, entidades fora de controle que nos causam danos, nos atormentando ou possuindo. Não apenas o poder do capital é titânico, ele é demoníaco. Vamos considerar brevemente alguns exemplos.

Todo dia, milhões de trabalhadores do mundo não têm escolha a não ser sacrificar seu tempo e vitalidade, para produzir novos lucros para os controladores autônomos. Não importa quanto, por quanto tempo ou com quanta eficiência trabalhemos, o imperativo do trabalho permanece.

Por quê? Pois cada inovação técnica para economizar tempo de trabalho toma a forma de lucro, que é capturado pelos capitais individuais, e imediatamente injetados no mundo material para animar novas atividades para o lucro futuro. Essa é a razão para que, apesar do enorme avanço na automação, a jornada de trabalho permanece longa como sempre.

Outro exemplo: a lógica do capital demanda extração máxima dos lucros das empresas, e isso significa minimizar os salários. Aqueles possuídos pelo capital vivem uma existência exaltada. Mas os despossuídos do mundo devem alimentar, vestir e manter um lugar com um salário médio de cerca de 7 libras (R$52,36) por dia.

Mais um exemplo: é melhor ser explorado que não ser explorado. Estamos sujeitos aos caprichos do ciclo de negócios e crises periódicas de acumulação. As recessões jogam grandes números de pessoas no desemprego, sem nenhuma justa causa. De repente, contas não podem ser pagas. Famílias são despejadas, como aconteceu nos EUA durante a crise imobiliária de 2008, e acontece de novo, hoje.

Por quê? Pois capitais individuais são quase cegos. Eles veem apenas retornos diferenciais em seus portfólios. E retornos podem ser bons ainda que o desemprego esteja alto, ou que a miséria humana se faça ver nas ruas. O capital não se importa.

Outro exemplo: o capital lida com valor abstrato, e coisas que não são propriedade, que não são compradas e vendidas, portanto, não tem valor. Assim, a riqueza material da natureza – a terra, os oceanos, a atmosfera – é incessantemente pilhada sem qualquer preocupação com as consequências.

O capital destrói a nós e à natureza. A produção e lucro infinitos não podem parar, pois cada capital individual deve competir pra sobreviver. Marx resumiu a primeira diretiva do capital:

Acumulai, acumulai! Eis […] reconvertei em capital a maior parte possível do mais-valor […] em capital! A acumulação pela acumulação, a produção pela produção: nessa fórmula, a economia clássica expressou a vocação histórica do período burguês. (O Capital, capítulo 22, seção 3)

Então, todos os loops de controle autônomos têm o objetivo único de extrair lucro das atividades do mundo. Se uma atividade falha em satisfazer esse objetivo, o controlador arranca seu capital e a atividade cessa.

Então, no ápice da economia, temos uma coleção competitiva de controladores idênticos – com uma inteligência atávica, de um baixo nível, demoníaca – que injeta e arranca uma substância social que parece possuir o poder mágico da animação, de trazer coisas à vida, da criação; mas, também, parece possuir o poder da aniquilação, da asfixia, de dar cabo às coisas, de destruí-las.

Nós, definitivamente, não estamos no controle. E outra coisa, definitivamente, está.

Animismo

Então, do que estamos falando, agora?

Estamos falando de um novo tipo de sistema de controle supraindividual que emergiu, de forma espontânea, de nossas próprias trocas sociais, e então – de uma forma bastante real – tomou vida e passou a nos controlar.

O capital, num sentido científico, e não metafórico, é um sistema de controle. E é o capital, enquanto sistema de controle, que cria e mantém a abstração que chamamos de valor de troca. O capital é o abstrator.

Mas, antes de explicar como isso acontece, precisamos de um momento para explorar a relação entre sistemas de controle e formas primitivas de cognição.

Os humanos primitivos estavam à mercê da natureza. A qualquer momento, a colheita poderia se perder, ou doenças e acidentes podiam acontecer. As formas mais primitivas de estrutura teórica para explicar os caprichos da natureza parecem ser o animismo.

O animismo é a crença de que todos os fenômenos naturais – tais como o clima, a geografia, as plantas, árvores, animais, etc., – são controlados por uma entidade viva autônoma com agência antropomórfica. Os humanos primitivos acreditavam que diferentes tipos de fenômenos empíricos eram controlados por espíritos conscientes, que possuíam uma mente própria.

Marx nos dá um rascunho breve da história da religião na terceira parte do Anti-Dühring, que começa com uma discussão sobre o animismo. Os deuses do clima, do mar, do sol, da lua, deuses das doenças, da cura, etc., são atores ocultos, ou, em último caso, eventos incontroláveis.

Se você acredita que deuses são mãos invisíveis que afetam sua vida, então, faz sentido apelar a eles – ao rezar, fazer oferendas, construir templos de adoração. O poder e majestade dos deuses antigos era a expressão perversa da impotência e miséria dos humanos primitivos.

O “deus Real”: para além do fetiche da mercadoria

Hoje, temos um nível muito maior de controle das nossas vidas em comparação aos nossos ancestrais. E esse progresso material, por si só, tem removido gradualmente a base material de nossos sistemas de crença animista.

Muitos dos poderes causais dos deuses e demônios antigos têm sido, um a um, explicados pela ciência. Então, perderam seu poder. Ao invés de um balaio de gato de deuses pagãos, com poderes especiais e domínios, temos campos científicos com suas próprias teorias e terminologia técnica.

É claro que a religião animista persiste na sociedade capitalista, mas é algo bem distante do convencional. Com Marx explica, no seu rápido esquema:

Num estágio ainda posterior do desenvolvimento, todos os atributos naturais e sociais dos muitos deuses são transferidos para um só Deus onipotente, que, por sua vez, é apenas o reflexo do ser humano abstrato. (Anti-Dühring, Seção 3, Parte V).

Então, as principais religiões modernas, tais com o Islã e o Cristianismo, falam de um deus que tudo rege, que é distante e abstrato, e diferente das divindades animistas da antiguidade, tipicamente não interfere nos fenômenos do dia-a-dia.

Marx, então, se volta à sociedade moderna, e faz a importante afirmação de que o capitalismo não abole as condições materiais que dão origem às crenças religiosas:

[…] na sociedade burguesa atual, as pessoas são dominadas pelas relações econômicas criadas por elas mesmas, […] como se fossem uma potência estranha. Portanto, o fundamento factual do ato religioso de reflexão perdura e, junto com ele, o próprio reflexo religioso. […] Ainda vale o adágio: o homem põe, Deus (isto é, a dominação estranha exercida pelo modo de produção capitalista) dispõe. (Ibid.)

Precisamente porque o capital está no controle, e não as pessoas, a “base factual” do “reflexo religioso” continua a existir.

É sabido que, no primeiro capítulo d’O Capital, Marx explica como a troca mercantil necessariamente gera o fetichismo da mercadoria – que é a ilusão de que o valor econômico é uma propriedade natural ou material das mercadorias. Então, objetos inanimados – especialmente formas monetárias, como o ouro – aparentam, de forma fetichizada, ter poderes especiais em si mesmos.

Mas o que Marx diz de um “Deus” a quem nos “propomos” e que “toma” de nós, nos leva além do fetiche da mercadoria. Marx aponta para o fato de as leis econômicas terem poderes divinos que operam independentemente de nós, que nos controlam e dominam, como forças da natureza.

Estaria Marx, portanto, cometendo uma falácia animista ao sugerir que o capital, como entidade independente, é um “Deus real” com “poderes reais” que tem uma mente própria?

Uma vez que entendemos que o capital é um sistema de controle autônomo, então, a resposta é, simplesmente, “não”. Um loop de controle de retorno negativo tem todos os elementos básicos da cognição: ele, de fato, sente, decide e age. Um tipo qualificado de animismo é inteiramente apropriado, aqui.

É claro que o ciclo de sentir, pensar e agir de um capital individual é bem diferente daquele de um ser humano. Não obstante, ambos buscam objetivos distintos, e ambos têm poder para fazer as coisas acontecerem. Um sistema de controle consiste de neurônios, músculos e órgãos; outro consiste de práticas sociais, sistemas de crenças e a troca de uma substância de valor.

Então, falando de forma animista, um espírito, ou divindade, de fato, controla o capitalismo. Esse deus pode quebrar-se, e aparecer em múltiplos tempos, em múltiplos lugares. E pode combinar versões de si mesmo, para agregar-se em encarnações maiores e mais poderosas. Pode possuir humanos e controla-los, ao forçá-los a trabalhar e acumular. Essa entidade dirige a atividade social ao dar ou tomar sua substância mágica, que chamamos de valor. Nos sacrificamos a ele, o aplacamos e esperamos a sua bênção.

Todas essas afirmações são cientificamente precisas. Não são metáforas. De fato, adotar uma teoria mais animista do capitalismo moderno, contraintuitivamente, constituiria progresso científico.

Vamos agora tomar esse ponto de vista animista e investigar o que o capital, como uma entidade divina, tende pensar sobre. Quais os conteúdos da cognição do capital?

O que o Deus real controla?

Às vezes, é óbvio o que um sistema de controle particular controla, pois nós o desenhamos. Por exemplo, sabemos que um termostato controla a temperatura de uma sala. Consequentemente, os sinais elétricos de controle que fluem dentro do termostato se referem à temperatura.

Mas a vasta maioria dos sistemas de controle não forem desenhados pelas pessoas. A natureza é cheia deles, de simples mecanismos homeostáticos a cérebros animais incrivelmente complexos. Esses sistemas evoluíram sem um criador e, portanto, temos de trabalhar mais para determinar o que os controla e o que suas representações internas podem, ou não, representar em seu ambiente.

Pularei os detalhes da teoria científica que determina o que controladores controlam de fato. Não é uma história simples (ver artigo Loop-Closing Semantics, disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=2262133). Penso que a complexidade dessa história explica parcialmente por que o argumento de Marx de que o trabalho abstrato é a substância do valor, nos primeiros capítulos d’O Capital – capítulos que, sabemos, Marx fez e refez e que, brincava Engels, tinham as marcas dos furúnculos de Marx – não é inteiramente satisfatório. Marx tropeçou num grande problema que não poderia ser totalmente solucionado com as ferramentas conceituais do seu tempo.

Então, ao invés de descer no buraco do coelho, eu irei, ao invés disso, pular direto à conclusão e simplesmente dizer o que o capital, como sistema de controle, realmente controla.

Já sabemos que capitais, grandes ou pequenos, são intimamente conectados ao processo de produção. A empresa capitalista empresta capital para comprar insumos e meios de produção e contratar trabalhadores. Trabalhadores fornecem trabalho concreto que produz valores de uso para venda no mercado.

O controlador julga todas as atividades concretas diversas ocorrendo em seu portfólio da mesma forma: quais atividades rendem lucros acima da média e quais não? O controlador recompensa empresas que obtêm lucros comparativamente altos com novas injeções de investimentos; mas pune as empresas que obtêm lucros baixos comparativamente, ou perdas, ao retirar seu capital. Essas recompensas monetárias e punições fluem através das empresas até o mercado de trabalho, e recompensa o trabalho concreto com o pagamento de salários ou o pune com a sua retirada e com o desemprego.

Num sentido bem real, o capital quer tipos específicos de atividades concretas e não quer outros. Esses tipos de atividades que ele quer são aqueles que geram lucros acima da média. O capital está, portanto, nos controlando. E ele controla como gastamos nosso tempo.

Trabalho abstrato: o tipo de trabalho que o capital quer

Então, o capital quer atividades laborais que geram lucros. Simplificando, podemos identificar duas propriedades essenciais que o trabalho concreto deve possuir para gerar lucro.

Primeiro, deve ser útil para outros, isto é, produzir mercadorias que podem ser vendidas no mercado. Ninguém compraria um casaco de três mangas.

Segundo, deve ter eficiência acima da média; em outras palavras, uma empresa lucra mais se usa menos tempo de trabalho que seus competidores que produzem a mesma mercadoria.

Eis porque, logo após Marx introduzir o conceito de trabalho abstrato, ele imediatamente aponta que apenas o trabalho socialmente necessário e útil conta como trabalho abstrato.

O capital não quer trabalhadores perdendo tempo cheirando flores com sua família e amigos. Essa atividade não gera valores de uso vendáveis. Nem o capital quer trabalhadores folgados, ou doentes. Folgar ou adoecer não é eficiente. O capital, se tivesse tudo o que quer de nós, nos faria passar todo o tempo trabalhando na empresa na intensidade mais alta possível, continuamente batalhando para superar outros trabalhadores no mercado de trabalho. É esse o tipo de comportamento que o capital quer.

O capital controla o trabalho concreto, as atividades laborais reais da população trabalhadora, em todas as suas manifestações diversas. E o capital controla o tempo de trabalho real, o tempo de relógio real, de pessoas reais, fazendo coisas reais. É o próprio capital que segura um cronômetro metafórico em sua mão, medindo, registrando, julgando e condenando; sempre de olho na menor moleza ou insubordinação.

E o objetivo do capital é converter o trabalho concreto em trabalho abstrato, no tipo de trabalho que tanto se encaixa na divisão do trabalho, a fim de ser trocado por outro trabalho, quanto se encaixa no tipo de trabalho que se sacrifica pelo capital, se entrega em oferenda, para render lucros à empresa capitalista e, em última instância, aos capitais dominantes em controle, que estão por trás deles.

Em outras palavras, “trabalho abstrato” se manifesta, se realiza, através do próprio capital. Maximizar os lucros é o mesmo que o processo de maximizar a manifestação do trabalho abstrato a partir do trabalho concreto.

Por isso Marx afirma que só o trabalho abstrato “cria valor”.  Trabalho concreto pode ou não criar valor. Se não criar, não é trabalho abstrato e o capital como controlador rapidamente age para erradicar sua existência, ao arrancar capital das empresas que o empregam.

O capital como egrégora

O capital é um controlar que emprega uma forma de valor – o dinheiro – para controlar o conteúdo do valor – que é nosso tempo de trabalho. A forma e conteúdo se unem, se ligam semanticamente, numa relação de representação ao referente, pelas regularidades legais instanciadas pela produção generalizada de mercadorias.

Como vimos, sistemas de controle instanciam os elementos básicos da cognição. De fato, têm representações internas que se referem ao mundo em que agem. Por isso, a teoria do valor de Marx é, fundamentalmente, uma teoria de uma cognição estranha que nos controla.

Não é de se admirar que ele fala de necromancia da produção de mercadorias, pois, apenas as tradições religiosas, mágicas e ocultas em nossa história têm conceitos adequados para expressar nosso dilema.

O conceito oculto de uma egrégora é útil aqui. Uma egrégora é uma entidade não-física que existe em virtude das atividades rituais coletivas de um grupo, mas que opera autonomamente, de acordo com sua própria lógica interna, para influenciar materialmente e controlar as atividades do grupo. O grupo cria a egrégora e a egrégora cria o grupo, no loop de retorno autorreforçado.

Marx, nos seus Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, explicitamente se refere a essa relação recíproca entre um deus e seu povo, entre um culto e sua egrégora.

Herdamos certamente o conceito de trabalho exteriorizado […] como resultado do movimento da propriedade privada. Mas evidencia-se na análise desse conceito que, se a propriedade privada aparece como fundamento, como razão do trabalho exteriorizado, ela é antes uma consequência do mesmo, assim como também os deuses são, originariamente, não a causa, mas o efeito do erro do entendimento humano. Mais tarde esta relação se transforma em ação recíproca.

As atividades rituais dos primeiros cultos capitalistas eram tão bem-sucedidos materialmente que rapidamente entraram em metástase e, em poucos séculos, engoliram o mundo. O que é universal se torna um plano de fundo despercebido. Então, a egrégora, na nossa sociedade, é difícil de enxergar. Ela se esconde à plena vista. Nos referimos a ela, é claro, mas de forma oblíqua, usando nomes enfadonhos como “a economia”, ou “os mercados”, ou “capital”. Mas Marx apontou para um nome melhor, um feito para nos acordar de nosso sono: um Deus real com poderes reais.

Uma cognição estranha que liga a forma do valor ao conteúdo do trabalho

O capital é uma egrégora. Não metafórica ou ironicamente, mas realmente. O capital é um ser, uma entidade autônoma, com pensamentos primitivos sobre nós. O dinheiro é como ele nos mede, e com o dinheiro ele nos controla. O capital é uma cognição estranha que age no mundo para lugar a forma do valor ao seu conteúdo.

Agora, sabemos o que é o abstrator. E, agora, temos uma compreensão mais claro do núcleo estrutural da teoria do valor de Marx, é fácil identificar más interpretações dela.

Há más interpretações que enfatizam o conteúdo em detrimento da forma. A teoria de Marx não é, de forma alguma, um materialismo ingênuo como o da economia política clássica, ou as interpretações sraffianas modernas de Marx, que postulam causalidade unilateral do tempo de trabalho concreto sobre os preços monetários. Ao invés disso, devemos pensar sobre os loops de retorno, sobre a causalidade bilateral, do conteúdo à forma e vice-versa.

Mas há outra má interpretação que enfatiza a forma em detrimento do conteúdo.

Claramente, a teoria de Marx é uma teoria objetiva do valor. Apesar das pretensões da teoria da utilidade subjetiva do valor, não podemos coletivamente fazer com que aviões sejam mais baratos que canetas através do desejo. Não somos o controlador dominante, somos os controlados. O consumidor individual não é um rei.

Mas, variantes mais sofisticadas do idealismo também interpretam mal a teoria de Marx. Alguns marxistas pensam que o capital sonha com o trabalho abstrato, que o trabalho abstrato é uma invenção do sistema capitalista, que não se refere realmente a algo que exista independente da realidade objetiva. Isso reduz a teoria de Marx a uma paródia pós-moderna de formas fantasmagóricas e ideais.

Nessas más-interpretações, a forma não tem conteúdo. Então, o dinheiro não se refere a uma propriedade existente independente dele. A forma cria um conteúdo ilusório. Nessa visão, o trabalho abstrato pode muito bem ter efeitos reais, da mesma forma que acreditar no Papai Noel faz as pessoas oferecê-lo leite com biscoitos, mas ele não existe.

Pode parecer sofisticado, mas em última instância, redunda em niilismo do valor, onde só existem preços, e não há nada oculto por trás deles.

Mas a teoria de Marx é essencialmente sobre o controle do tempo de trabalho concreto, as condições de trabalho reais e objetivas de milhões de pessoas. Qualquer interpretação de Marx que diz que o trabalho abstrato não pode ser medido independentemente dos mercados e preços, ou não pode fornecer uma definição do conteúdo do valor sem se valer de coeficientes mágicos que dependem dos preços – deu errado.

É claro que, como qualquer entidade, os pensamentos do capital podem não refletir, ou representar, perfeitamente a realidade em que ele está embutido. No entanto, se um sistema de controle é bem-sucedido em seu controle, então, suas representações internas terão correspondência verdadeira com a realidade. E o capital é um controlador supremamente bem-sucedido.

E, por último, essa é a razão pela qual as afirmações de Marx sobre o valor podem ser verificadas empiricamente: o trabalho já é disciplinado para ser eficiente e útil. Assim, a maioria do trabalho concreto já é trabalho abstrato. Consequentemente, se pegarmos aleatoriamente um grupo de 50 trabalhadores, eles terão o poder de produção de valor aproximado de 50 unidades de trabalho abstrato. Quanto maior o grupo, maior a aproximação.

Tomar nosso cronômetro não funcionaria a nível individual pois não há garantia de que seu trabalho concreto vai contar, no final, como trabalho abstrato. Mas nosso cronômetro medirá trabalho abstrato se coletarmos amostras o suficiente. Como afirmou Marx, o trabalho abstrato tem o caráter da força de trabalho média da sociedade. Então, o sucesso de controle do capitalismo significa que podemos medir quantidades de trabalho abstrato antes do trabalho ser igualado e homogeneizado no mercado.

Uma analogia pode ajudar, aqui, pois essa é uma questão sutil, mas importante.

Um etologista, estudando o comportamento de um animal selvagem, não pode entrar na cabeça do animal e ver o mundo pelos seus olhos. O etologista nunca poderá saber totalmente o que é ser um morcego. Mas, não obstante, os etologistas desenvolveram teorias detalhadas sobre a ecolocalização, e sobre como a cognição de um morcego representa seu ambiente. De maneira similar, estudamos o comportamento de uma entidade autônoma, chamada capital, com uma cognição estranha. O trabalho abstrato é seu conceito, não o nosso. Mas podemos formar um conceito de trabalho abstrato que corresponda ao seu. Afinal, nós, os controlados, e ele, o controlador, vivemos no mesmo mundo. E podemos falar sobre e representar, uma propriedade objetiva desse mundo compartilhado.

E o que é essa propriedade objetiva? Podemos agora refinar nossa definição inicial aproximada de trabalho abstrato. Não é apenas trabalho médio, ou as potências causais comuns do trabalho humano. É algo mais específico, algo mais historicamente determinado e, portanto, contingente.

Trabalho abstrato é uma coleção de potências causais possuídas pelo trabalho humano que podem se manifestar como uma habilidade de produzir um sem-número de coisas úteis aos outros, lucrar ao trabalhar mais e por mais tempo, melhorar técnicas de produção para produzir mais com menos, e superar outros numa contenda eterna por lucros. Se nós, trabalhadores, não tivéssemos tais potências causais, então, o capital falharia em nos moldar como as unidades homogêneas, criadoras de valor, que ele quer.

Capitalismo enquanto modo de produção oculto

O capital não é uma grande soma de dinheiro, mas um conjunto definido de práticas sociais que instanciam um sistema de controle. Cada capital é um controlador que age independentemente de qualquer consciência humana individual. Nesse sentido bastante real, cada capital é uma entidade, um ser-para-si. E cada capital tem formas primitivas de cognição: capitais continuamente sentem, decidem e agem a fim de alcançar o objetivo primordial de maximizar retornos. Isso não é uma metáfora, é ciência. O “Deus real” de Marx é realmente real.

Marx nos lembro que o capitalismo não abole as condições materiais que dão origem ao pensamento mágico e religioso. O fetiche da mercadoria é abundante e as confusões, também. Por exemplo, a ciência econômica moderna tem sucessivamente reprimido a teoria do valor de Marx, e a natureza das relações de propriedade capitalista baseadas no roubo, ainda se prova incapaz de formular uma teoria alternativa do valor econômico. Os mistérios da economia permanecem.

Para contribuir à confusão e mistificação, a ideologia capitalista promove a ideia de que nossa cultura comercial é fundamentalmente um esforço racional e secular. Mas é bem o contrário. A racionalidade do capitalismo não é humana, é estranha, e não a controlamos, ela nos controla. A ideologia capitalista se recusa a ver o “Deus real” que é o capital, e nossa subordinação a ele. O deus é real, mas escondido, escondendo-se à plena vista. Nesse sentido, o capitalismo é um modo de produção ocultista, não secular.

A forma valor, a abstração titânica que permeia cada aspecto de nossas vidas é, num certo sentido, a linguagem primitiva do controlador. Ele vê e julga nossas atividades, em termos de valores abstratos, comparando taxas de lucro diferenciais em seu portfólio. Mas também comanda nossas atividades usando valor abstrato, injetando e retirando seu ser substancial, o dinheiro. O capital opera para moldar e disciplinar a totalidade da força de trabalho da sociedade na forma específico do trabalho abstrato, que é trabalho que se entrega total e completamente em oferenda ao capital.

Então, a forma-valor participa, tanto na medida do tempo de trabalho, quanto na demanda de tempo de trabalho. Não deveria surpreender que a forma-valor também tenha imperativos semânticos. O dinheiro não deve meramente participar da medida, mas também da demanda. A troca generalizada de mercadorias não tem planejador ou plano consciente e, portanto, a demanda e controle necessários à organização da divisão do trabalho é alcançada através da alocação de capital, da transmissão do dinheiro e da estrutura dos preços.

O capital ordena ao tempo de trabalho concreto que se manifeste como tempo de trabalho abstrato e, portanto, traga à existência o que já está latente dentro de nós. Mas o capital intensifica e aperfeiçoa apenas parte de nós. Somos mais do que meras criaturas capazes de manifestar o trabalho abstrato. Temos o poder de fazer muito mais do que meramente produzir coisas úteis ao trabalho intensamente por longas horas. Apesar do domínio do capital, resistimos, e encontramos lugares e momentos em que somos mais nós mesmos. Mas o capital não quer que brinquemos, aprendamos, exploremos, nos importemos ou nos entreguemos de graça. O capital que produzamos – infinitamente. E, portanto, nós, sob o domínio do capital, somos reduzidos a sombras, meras abstrações estreitas do que poderíamos ser.

Nós somos os abstraídos e ele é o abstrator.

Escravos do Deus capital

Permitam-me encerrar com uma analogia bastante direta. Vacas podem fazer muitas coisas. Mas todo que nos interessa é que elas produzam leite e carne o quanto possível. Então as criamos, injetamos, controlamos, para fazer apenas isso. Às vezes suas tetas estão tão distendidas pela produção excessiva que elas rasgam, se partem e derramam.

Nós somos como gado para o capital. Nós também nos tornamos distorcidos e desfigurados pelo seu comando universal. Ele nos rotula como trabalho abstrato. Mas também somos indivíduos concretos. A forma não exaure o conteúdo. E essa não-identidade aparentemente inócua entre a forma e o conteúdo é uma razão fundamental de por que, um dia, escaparemos do domínio do capital.

“As Leis de Marx”, de James Farr

Tradução do artigo de James Farr, de 1986, para o número 34 da revista Political Studies, da Universidade do Winsconsin, feita por Gabriel Carvalho.

Resumo do artigo:

“Marx se envolveu nos debates do século XIX sobre o que ele chamou de ‘ciências histórico-sociais’ e suas leis. Mas ele foi mais direto em sua rejeição do positivismo e empirismo do que era em articular sua própria posição construtiva. No entanto, ele escreveu algumas notas esparsas sobre método e sua própria prática científica fornece um material apropriado para uma reconstrução adequada de suas visões. Esse ensaio traz uma defesa do realismo científico de Marx que rejeitava o empirismo de Hume em sua análise das causas e leis. Ao trazer uma análise realista, ele nos ofereceu uma estrutura para compreender suas próprias leis explicatórias – as leis econômicas que movem a sociedade moderna. Ainda assim, Marx não propôs quaisquer ditas ‘leis naturais de desenvolvimento histórico’. Pelo contrário, ele articulou o que é mais propriamente conhecido como princípios da interpretação histórica. No método, como na política, Marx ofereceu, assim, uma alternativa genuína à visão dominante da época”.

Awards & Honors Ceremony 2020: Department of Political Science -  Northwestern University
James Farr, professor do departamento de ciência política da Northwestern University.

Possibilidade Ontológica do Conhecimento1

Cristina Paniago2

Um elemento de fundamental importância e de distinção entre as diversas metodologias é a pressuposição, ou não, no momento de se conceber o como se conhece, da possibilidade do conhecimento do real efetivamente existente.

As principais propostas metodológicas contemporâneas permanecem ou no terreno do empirismo clássico (apenas o singular é considerado como objeto do conhecimento, pois o único capaz de ser comprovado pela experiência), ou sob influência de Kant (é impossível conhecer a coisa-em-si, mas apenas as sensações que o objeto proporciona ao sujeito) ou, ainda, do hegelianismo (o sujeito processa seu auto-conhecimento ao identificar-se com o objeto).

Em contraste com todas essas correntes – e suas inúmeras variações -, é possível conceber, com base em Marx, uma proposta metodológica onde o conhecimento do real efetivamente existente, em suas dimensões singulares e universais, torna-se imprescindível à transformação da natureza e das relações entre os homens.

Já em suas obras da juventude, em debate travado com seguidores de Hegel, Marx rechaça veementemente a identificação entre o sujeito e o objeto. Numa passagem de A Sagrada Família, afirma que os filósofos especulativos conseguem explicar a atividade de identificar as diferenças do objeto como a auto-atividade do sujeito absoluto, como mero resultado de seu “próprio intelecto abstrato”, o que, segundo ele, na “terminologia especulativa, [significa] conceber a substância como sujeito, como processo interior, como pessoa absoluta, concepção que forma o caráter essencial do método hegeliano”.3

Para os “especulativos”, o movimento do pensamento do abstrato ao concreto, ao invés de reconhecer o real autonomamente existente, antes o define como um “concreto espiritual”, ainda cativo de determinações etéreas, subjetivamente construídas. O movimento de conhecimento do real acaba por retornar ao plano da subjetividade, com o que está definitivamente perdido o acesso ao ser-precisamente-assim existente.

No mesmo texto, na exemplificação dada sobre a “encarnação da substância, da fruta absoluta” e suas “cristalizações plasmadas” (a pêra e a maçã), Marx faz uma bem humorada referência às afirmações dos filósofos especulativos:

O que, por conseguinte, nos alegra na especulação é voltar a encontrarmos com todas as frutas reais, porém como frutas dotadas de uma significação mística mais alta, que brotam do éter de nosso cérebro, e não do solo material, que são encarnações da fruta, do sujeito absoluto.4

Segundo Marx, o idealismo desses filósofos os leva a ignorar as determinações do mundo real existente, concebendo a realidade como produto do pensamento. Rejeitam o enfrentamento do real enquanto objeto do conhecimento, esgueirando-se por um caminho onde “a especulação cria seu objeto a priori”, e é “[obrigada] a construir como absolutamente necessárias e gerais as determinações mais fortuitas e individuais do objeto”.5 Em definitivo, para essa corrente, no processo de conhecimento não comparece o mundo objetivo independentemente do sujeito enquanto agente do ato cognoscitivo.

Configura-se, assim, a inconciliável diferença entre o pensamento especulativo e os pressupostos metodológicos desenvolvidos por Marx. Para ele, o objeto real efetivamente existente se diferencia ontologicamente do objeto do conhecimento. Contudo, cabe à subjetividade capturar o real sem que, por isso, com ele se identifique. À subjetividade resta extrair do mundo objetivo todo o conhecimento necessário à reprodução social.

Em um conhecido texto de sua maturidade, os Grundrisse, Marx trata de como a subjetividade captura gnosiologicamente o real. Inicia assinalando que, no estudo da Economia Política, ao se utilizar o conceito de População sem determinar seus elementos constitutivos, este não passaria de uma abstração caótica e vazia de significado real. A “representação plena” estaria volatilizada e carente das determinações indispensáveis ao conhecimento do objeto pela consciência.

Somente com a decomposição do conceito em todos seus elementos constitutivos, tais como as classes, e, nestas, por conseqüência, destacando-se como elemento indissociável o trabalho assalariado, que é subordinado ao capital; capital, que se reproduz com a divisão do trabalho, e que tem como pressuposto conceitos como valor, preço, dinheiro, e assim por diante, é que se poderiam compreender o significado real de População e a complexa articulação entre os diversos conceitos subjacentes.

Ao se avançar nesse processo de “abstrações cada vez mais sutis”, continua Marx, poder-se-ia “alcançar as determinações mais simples”. Com base nelas, empreende-se o retorno à categoria População, não mais a encontrando como uma simples representação caótica do conjunto, mas sim como “uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações”. Nesse processo de determinação e particularização que resgata a concreticidade do objeto, este “Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o verdadeiro ponto de partida”.6

Para Marx, portanto, no processo de conhecimento do mundo objetivo, o contato com o imediatamente dado revela um todo caótico e desconhecido. Ao ser representado na consciência, esse todo carece ser decomposto num contínuo processo de análise e analogia com o já conhecido, para alcançar, via “abstrações cada vez mais tênues”, os conceitos mais simples entendidos como um passo a caminho das “generalizações determinadas, ou seja, delimitadas no conteúdo e na extensão”.7

A partir dos conceitos mais simples, num movimento de retorno – segundo Chasin, “no trânsito do abstrato ao concreto” -, um processo de síntese possibilita a recuperação do objeto concreto; possibilita que se alcance uma “rica totalidade com múltiplas determinações e relações”, obtendo-se assim “a reprodução do concreto pelo caminho do pensamento”. É o método das duas vias (ida e volta), “manifestamente, o método científico correto”, segundo Marx.8

Essa passagem dos Grundrisse é reconhecidamente muito difícil, e sua interpretação tem provocado acirrados debates. O que faremos neste artigo é seguir a exploração que dela fez Lukács – em especial do aspecto da subjetividade nesse processo de captura do real.

A via de acesso da consciência ao real

O mundo objetivo é composto de infinitas mediações, compreendidas “enquanto cadeia viva entre a singularidade e a universalidade”.9 À consciência, elemento ativo no processo de reprodução social, é colocada a necessidade de produzir o conhecimento das situações singulares, das generalizações universais e do modo particular em que se articula o mundo objetivo. Caso assim não proceda, fica inviabilizada a realização das finalidades previamente concebidas pela consciência no ato do trabalho (locus da síntese de teleologia e causalidade)10; esta torna-se incapaz de gerar o novo, e, portanto, de assumir um domínio cada vez mais avançado da natureza.

Para Lukács, essa necessidade impõe ao sujeito uma captação muito mais precisa da objetividade e, conseqüentemente, uma expressão mais exata que recolha precisa e inequivocadamente as determinações específicas do objeto de que se trata, mas abarcando ao mesmo tempo as conexões, relações, etc., que são imprescindíveis para a execução do processo de trabalho.11

O movimento contínuo da realidade objetiva coloca sempre novos desafios à subjetividade, exigindo que o processo de conhecimento se renove a partir do contato com o objeto imediatamente dado. No cotidiano, é comum nos depararmos com algo desconhecido e, portanto, para a consciência carente de determinações -, onde o imediatamente dado é visto como uma singularidade indeterminada. E, por ser indeterminada, é indizível.

É necessário, então, que ele seja analiticamente decomposto, relacionado a categorias universais já conhecidas, para que a subjetividade, descobrindo as suas mediações, possa identificar suas “legalidades particulares e gerais”.

Num primeiro momento, na ausência dos traços de universalidade necessários à determinação do imediatamente dado, encontrando-se ele impossibilitado de ser referenciado pela linguagem12, tem-se a sensação de perda do objeto. Escapa à consciência o domínio imediato do novo. No entanto, impulsionada pelo movimento real das coisas e premida pela necessidade de garantir a sobrevivência e desenvolvimento humanos, torna-se inevitável o enfrentamento do real.

Nesse primeiro momento do processo gnosiológico, com base no conhecimento já adquirido na vivência histórico-social do sujeito, o pensamento utiliza-se da intuição para a escolha das possibilidades de investigação sugeridas pelo objeto, e para a busca das alternativas que viabilizem sua identificação, ou sua diferenciação.

O sujeito inicia o contato com o objeto singular num intenso exercício de abstração e mentalização. Nesse momento, a consciência tem na abstração o locus da negação do singular imediato. A abstração, como instrumento do pensamento, passa a negar a indizibilidade do singular num crescente. processo de generalização sempre mais determinante, através da utilização de “abstrações isoladoras”.13 Estas, por sua vez, permitem que as noções iniciais promovidas pela análise sejam organizadas e selecionadas, ao mesmo tempo que superadas, quando do percurso pelo campo das mediações no sentido da particularidade.

No uso das abstrações isoladoras, tanto as semelhanças como as diferenças assumem igual importância, devendo-se evitar a homogeneização simplificadora do real e a violentação de sua natureza objetiva. Assim, no desenvolvimento das generalizações dos traços sublinhados e na determinação da multiplicidade de características intrínsecas ao objeto mentado, preserva-se a unidade do diverso.

Ao embrenhar-se a subjetividade no processo de abstração do singular indizível apresenta-se um problema. Diversas generalizações tornam-se igualmente possíveis, sendo que nem todas levam à aproximação do concreto pelo pensamento. É, portanto, imprescindível que se alcance um nível de abstração “razoável”, que se pressuponha que “a intensificação do conhecimento da singularidade [seja], por sua vez, uma função de generalizações afortunadas, muito abarcantes, de ampla aplicabilidade, etc.14 O grau de razoabilidade é percebido pela subjetividade através da mediação da práxis social, e na objetivação do trabalho que se torna, assim, o ato probatório da realização final de um acertado processo de abstração e de especificação das noções inicialmente formuladas.

Em suma, o processo de conhecimento empreendido pela subjetividade depara-se, num primeiro momento, com a representação caótica do todo, que passa a ser “volatilizada em uma determinação abstrata” com base na definição de seus traços mais especificadores. Caminha, portanto, no sentido da generalização e vai afastando-se daquele estado indizível até atingir os conceitos simples.

Esse momento, sublinhemos, refere-se ao caminho de ida. O segundo momento é aquele em que “as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto”; constitui-se no caminho de volta ao objeto mediante a conquista da concreticidade antes oculta.

Argumenta Lukács que a quebra da indizibilidade da singularidade processa-se num dinâmico ato de negação, ao isolá-la abstratamente de sua materialidade imediata e defini-la em cada vez mais elaborados conceitos; e de reflexão, pois o impulso originário vem da realidade exterior e imediata, sendo que ambos os movimentos exigem que o retorno seja não mais àquele singular imediato, mas sim ao concreto pensado imbuído das mediações necessárias à sua generalidade determinada, ou seja, à forma de particularização do objeto.

Nesse momento do processo de aproximação ao real, mesmo de posse de um certo grau de determinação e dos conceitos simples, permanece ainda insatisfeita a necessidade de determinar a qual dado objeto se refere, “mesmo quebrada a indizibilidade do singular com a abstração dizível, [isto] ainda não é suficiente para determinar este singular, mas sim permanece referido a uma infinidade de estes sem resgatar sua concreticidade. As abstrações processadas restringem-se a generalizações indeterminadas”. Caso se parasse por aqui, “O concreto permaneceria oculto e a abstração dizível manter-se-ia dizendo sempre a sua mesma pobre abstração.15

Coloca-se assim como necessário dar o próximo passo no caminho do conhecimento do real, iniciando-se a síntese das múltiplas determinações, ou seja, o caminho de volta ao concreto pensado.

A abstração passa a negar-se ao alcançar um nível de generalização mais determinada, fazendo com que o pensamento percorra o campo de mediações entre a singularidade e a universalidade no sentido de aproximação do concreto, ou melhor, da particularidade enquanto veículo do determinado: “enquanto categoria portadora da ‘função criadora de determinação’, seja delimitando o universal, seja expandindo o singular.”16 No exercício do conhecimento, por esse caminho de volta, estará superada a fase de contato inicial com a individualidade imediata do ser, e realizada, na processualidade concreta vivenciada pela consciência, a determinação efetiva das especificidades do ser. Ter-se-á não mais uma representação caótica do todo, mas uma rica totalidade de determinações, bem como a identificação, pelo pensamento, das múltiplas e diversas relações do real concreto.

Bases ontológicas da Particularidade

O modo de funcionamento do pensamento no conhecimento do real, no entanto, não significa que o real tenha como momento fundante o pensamento. Para Lukács,

A consciência se vê constrangida a comprovar e conceber mediações porque a vinculação dos objetos do mundo externo se baseia em grande medida nelas. A contraposição e a vinculação dialética da imediatez e a mediação existem também objetivamente, com independência da consciência.17

A exigência de o conhecimento tratar da singularidade18 em sua imediatez, dar-lhe voz ao projetá-la no plano da generalidade e de, ao percorrer o campo das mediações portador das determinações próprias ao objeto, retornar a ele como o concreto no pensamento é originária no próprio real. É a manifestação abstrato-subjetiva de como o mundo, externo à consciência, se comporta.

Esse modo de operar da subjetividade, além de refletir a lógica objetiva da particularidade, também é determinado por condicionantes histórico-sociais que circunstanciam a efetividade das abstrações e concreções por elas processadas. Segundo Lukács, “o grau dessa aproximação [da consciência ao real] está determinado pelas necessidades e as possibilidades do pensamento em cada estádio da evolução históricosocial.”19

Necessidades tais colocadas pela reprodução social que exigem que a consciência torne crescentemente visível o que lhe é desconhecido (e, portanto, oculto na sua imediatez), como condição à apreensão das particularidades presentes na realidade. E possibilidades, fomentadas pelo conhecimento e pela riqueza material acumulados social-historicamente, que proporcionem – às abstrações efetivadas pela consciência – a exploração de forma exaustiva e proveitosa das relações existentes no mundo objetivo com o fim de resgatar a particularidade do ser.

Na continuação do mesmo texto, Lukács ressalta que a afirmação acima carece de precisão quanto a seus efeitos, pois

Quando a subjetividade – ainda que condicionada histórico-socialmente – projeta efetivamente na realidade suas próprias necessidades e seus próprios desejos e os põe como realidade objetiva, se apresentam aquelas contradições […], nas quais, caracteristicamente, o comportamento antropomorfizador não desemboca em uma reprodução da particularidade, senão em uma generalidade subjetivamente fundada.20

Há uma clara distinção a ser ressaltada entre a necessidade projetada no plano da subjetividade e aquela colocada pela realidade objetiva. A imersão “dos próprios desejos” na realidade objetiva, compondo parcialmente essa objetividade, redunda em um comprometimento da captura da concreticidade do existente. Esse passa a ser constituído pela “generalidade subjetivamente fundada”; dissolve-se a “reprodução da particularidade” numa simples abstração etérea.

Em Lukács, é fundamental a afirmação de que a dimensão subjetiva da lógica da particularidade se refere à forma em que opera a consciência ao conhecer o objeto; objeto distinto dela e existente independente de seu prévio conhecimento. O objeto é dado no mundo real; mesmo com o trabalho, através do qual a ação consciente do sujeito pode gerar objetividades antes inexistentes, ainda assim permanecerão preservadas a exterioridade e a autonomia do ser ante o pensamento. O pensamento precisa, para iniciar o processo de conhecimento, do estímulo do próprio real; para Lukács, sentido inverso ao defendido por aqueles que concebem o real como produto de conceitos e valores fecundados pela consciência.

A partir de Marx, segundo o filósofo húngaro, está descartada a possibilidade de se conceber o objeto como produto do pensamento, num movimento de abstração isento de qualquer vinculação com a realidade. Há uma clara inversão no sentido defendido pelos idealistas, de origem hegeliana ou não, quanto à articulação do real com o pensamento.

O imediatamente dado no mundo objetivo constitui-se no ponto de partida do pensamento. Mas este, para conhecer o real, deve acionar seu poder de abstração e quebrar a indizibilidade imediata do ser atribuindo um caráter expansivo à singularidade; deve precisar os traços de universalidade na: relação com o mundo concreto. E, na recuperação das mediações existentes entre os pontos extremos – da singularidade e da universalidade -, deve recuperar o real enquanto concreto no pensamento.

De maneira enfática Lukács afirma, a respeito dos três graus de generalidade, que

não basta estabelecer que a natureza objetiva do mundo nos impõe a diferenciação entre singularidade, a particularidade e a generalidade, ou seja, que a afirmação humana dessas categorias é um elemental processo ditado pelo Em-si; há que compreender ademais que também a conexão dessas categorias é um processo elemental determinado pela objetividade.21

Isto posto, verifica-se uma relação dialética entre o objeto em-si e o produto do pensamento – uma reciprocidade entre o real e o conhecimento adquirido pela consciência.

Cabe salientar que, sempre segundo Lukács, a apreensão do real pelo pensamento consegue apenas uma aproximação do objeto e não uma reprodução perfeita, pois sua concreticidade é resultado de uma constante tensão entre a singularidade e a universalidade, que compõem um complexo campo de mediações constituído de uma gama de possibilidades altamente dinâmicas, conferindo a cada objeto um caráter particular e único. Portanto, o objeto é impossível de ser conhecido como um ser estacionário e alheio à pulsão dialética entre as categorias da generalidade.

Tanto o objeto como a subjetividade já serão outros no momento seguinte ao conhecimento inicial. Novas relações serão consumadas, sendo impossível a fixação de um único momento como o ponto final do conhecimento. E, ao tomar a subjetividade posse daquelas determinações do real, já se encontra capaz de realizar novas associações e gerar novos conhecimentos e novas objetividades.

Portanto, dada a forma, de ser do mundo real, é impossível a total identidade do sujeito e do objeto. À subjetividade só resta alcançar uma cada vez mais intensa aproximação do objeto através de um eficiente domínio de suas complexas determinações.

O processo “de ida e de volta” como forma genérica de proceder da subjetividade concebida como ontologicamente distinta do objeto: este é o núcleo decisivo da leitura de Lukács da passagem dos Grundrisse acima referida.

Com a lógica da particularidade ficam superadas as diversas posições filosóficas que oscilam entre os limites ao conhecimento do mundo objetivo pelo homem impostos pela fetichização do singular, ou do universal. E, também, ficam superadas as posições à Kant, que reduzem o objeto ao mero fenômeno subjetivamente produzido. Com isso, fundamenta-se a capacidade dos homens para conhecer e, portanto, transformar o real. E, com todas as mediações cabíveis, de assumir conscientemente os destinos de sua própria história.

1Capítulo publicado na coletânea : Lessa, S. (org.). Habermas e Lukács: método, trabalho e objetividade. Maceió : EDUFAL, 1996.

2Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas – 1996.

3Marx, C., Engels, F. La Sagrada Família. México: Ed. Grijalbo, 1960, p. 125.

4Idem, ibidem, p. 124.

5Idem, ibidem, p.126.

6Marx, K. Grundrisse (edição em espanhol). Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 1973, p. 21.

7Chasin, J. “Lukács: Vivência e Reflexão,da Particularidade”. In Escrita/Ensaio, 2. ed., São Paulo: Ed. e Livraria. Escrita, n.9, 1981, p. 60.

8Marx, op. cit., p. 21.

9Chasin, op. cit., p. 59.

10O Trabalho, na concepção marxiana, é o momento da objetivação de uma prévia-ideação (teleologia) orientada à modificação da materialidade existente na esfera natural e social (causalidade). Sobre a importância decisiva da esfera gnosiológica para o trabalho ver Lessa, S. “A Centralidade do Trabalho na Ontologia de Lukács”, Tese de Doutorado, UNICAMP, 1994.

11Lukács, G. Estetica. V.3. Barcelona-México: Ed. Grijalbo, 1967, p. 201.

12De acordo com a concepção lukácsiana, a linguagem serve de veículo às conexões inicialmente determinadas no processo de generalização das intrínsecas características do ser. Mesmo a mais primária afirmação lingüística pressupõe a presença de certo grau de universalidade, permitindo assim a transformação da mudez do objeto singular, considerada sempre a totalidade de suas mediações, em algo cada vez mais determinado.

13Em sua Ontologia, Lukács se refere às abstrações isoladoras afirmando que “Quer tomemos a própria realidade imediatamente dada, ou mesmo seus complexos parciais, o conhecimento imediatamente direto da realidade imediatamente dada resulta em meras representações. Estas, por isso, devem ser melhor determinadas com -a ajuda de abstrações isoladoras.” Lukács, G. Per una Ontologia dell’Essere Sociale. Roma: Ed. Riuniti, VA, 1976-81, p. 285.

14Lukács, G. Estetica. V.3. Barcelona-México: Ed. Grijalbo, 1967, p.206.

15Chasin, op. cit., p.64.

16Idem, ibidem, p. 65.

17Lukács, op. cit., p. 213.

18Afirmação também válida no sentido do universal ao campo de mediações da particularidade, pois, segundo Lukács, ‘o determinante e o determinado não se enfrentam como dois mundos que se excluíram; o processo de determinação consta […1 da reciproca mutação entre ambos.’ (Idem, ibidem, p. 211).

19Idem, ibidem, p. 206.

20Idem, ibidem, p. 232

21Idem, ibidem, p. 200.